“Então, falei com um conhecido meu, e ele quer disputar um time contra”.
Falou um negócio desses, é a senha para a confusão estar armada. Ainda mais que o “Bá” (até hoje eu não sei se é Bá igual ao desenhista ou Bach igual ao músico) joga basquete na faculdade. Então já viu, né? Vamos mostrar ao atleta da faculdade que a rua é quem manda. O problema é que vamos mostrar que a rua é quem manda dentro da quadra do condomínio do Bá na Taquara, porque a partida foi marcada lá. E sabe como é… Lá tem bebedouro. Você não discute com a possibilidade de jogar com um bebedouro do lado.
Beleza. Combinamos todo mundo uma cor para representar o time improvisado. Chegamos no portão do condomínio. Todos de azul. Ou quase. “Camisa do Celtics, Gaúcho?”; “bah, era pra ser azul?”. Depende se você considera a camisa do New Orleans (até então) Hornets um azul esverdeado ou um verde azulado. Depende também se você considera blusa polo algo que pode ser usado tanto para jogar tênis quanto basquete. “Era a que tinha”, disse o Mineiro. A capacidade do time se unir para escolher a cor do uniforme por si só já é o teste de sintonia.
Abrem-se os portões do condomínio e vamos para o playgr… para a quadra, digo. Ok, já tinham falado que a quadra era pequena, compacta. Fora das dimensões habituais. Eu já falei que ela era pequena? Tenha isso em mente, leitor. Olhamos a quadra. Olhamos o Bá. Olhamos o time do Bá. Tínhamos chance. Pra cima deles. Éramos apenas seis. Era pra ser sete, só que o Cadu não acordou. Mas não precisávamos de mais do que isso. Combinamos as regras: quatro quartos com doze minutos. Pedidos de tempo limitados. Coisa de profissional. Tipo NBA. Íamos com tudo logo no início. Muito cuidado com o jogo de transição. Sabe como é. Caso eu não tenha mencionado, a quadra era pequena.
A bola subiu. A posse era nossa. Corri para receber o passe no ataque. Dei uns quatro passos e quase dei de cara nas traves da quadra poliesportiva do playg… condomínio. Ela era pequena mesmo. Nossa bola nem chegou ao ataque. Não seguramos a posse. Voltamos para a defesa em outros quatro passos. Eu queria ter a perspectiva de quem estava de fora vendo um monte de gente comprida se apertando numa quadra daquelas. Menininhas passavam ao lado carregando suas bonecas. O nosso time e o do Bá trocavam arremessos. Absolutamente nenhum deles caiu. Sabe aquela sensação de “hoje não tá caindo nada”? Agora imagina isso levado ao pé da letra.
Com pouco mais de seis minutos pedimos tempo. Não, pedimos timeout, que parece mais legal e menos humilhante. Zero a zero. Parecia olimpíada de escola, que terminava disputada em lance livre. Precisamos acertar o ritmo, etc, etc. Vamos confiar no Mario, nosso especialista de longa distância. Vamos criar a jogada para o arremesso dele. Voltamos. Bola na mão do Mario, livre da zona morta. Nosso especialista não acertou nem tabela e nem aro. Crianças corriam na direção da piscina e eu queria abandonar a quadra e me juntar a elas. Zero a zero. Pagar passagem e passar vergonha longe de casa é brincadeira.
Quatro a dois. Doze minutos de basquete jogado e quatro a dois no placar. Bom, pelo menos era pra gente. E o Bá, o que jogava na faculdade, estava no time que fechou o quarto com dois no placar. Antes ele do que eu. O final? Ganhamos o jogo. Por um placar razoável para uma pelada de domingo. Mas o primeiro quarto, esse aí rendeu muito mais do que o resto do jogo. O Cadu até hoje não me deixa esquecer que a melhor coisa que ele fez foi ter ficado na cama ao invés de ter se juntado a nós na Taquara. Inclusive qualquer argumento meu é facilmente derrotado da seguinte forma:
“E o basquete lá da Taquara, hein?”
Recolho-me à minha insignificância de quem já terminou um quarto com quatro a dois no placar. Inclusive pretendo chegar à velhice, esbarrar com um dos meus colegas de time na rua, cumprimentar, perguntar como vai a vida e falar “lembra daquela vez na Taquara…”
Um de nós, o Canavezes, hoje mora na Áustria. Boatos de que se mudou justamente para nunca correr o risco de ser parado na rua e ser perguntado sobre aquela partida. Vai negar até a morte.
Dedicado ao Canavezes, ao Jeff, ao João, ao Mario e ao Mogli. Os que junto comigo formaram “os Seis da Taquara”. Nós não falamos muito sobre isso.