Tão certo quanto a bola e os tênis hoje em dia na pelada, também são os celulares. Sinal dos tempos, eu acho. Difícil imaginar uma pessoa sem o seu telefone na mão, hoje em dia. Não chegamos (ainda) ao momento em que o peladeiro vai driblar com uma mão e registrar uma selfie com a outra no meio da partida. E os motivos para o telefone ali são muitos: para avisar que chegou, chamar o resto da galera, tirar foto ou gravar um vídeo para ficar bonito nas redes… mas aí vai ter aquele sujeito olhando para a tela como quem está resolvendo uma prova de cálculo matemático, e talvez ele esteja.
Pô, esse maluco quebrou o meu fantasy!, ouvi há muito tempo sem entender direito. Ué, era assim que a gente reclamava agora quando o time perdia? Só depois que eu fui entender que era um jogo baseado em montar um time com jogadores diversos e pontuar a partir do desempenho deles em quadra (ou em campo, dependendo da modalidade). Ok, ok, legal… mas vamos começar a pelada? Só que eu percebi que era inútil. A resenha na beira da quadra só falava de fantasy. Pessoas no meio das festas paravam e falavam já vou, amor. Deixa só eu escalar o meu time aqui no fantasy. Fora aqueles que passaram a não se importar com a derrota do próprio time, desde que o cestinha do time adversário tivesse sido escalado.
Eu tentei, eu juro que eu tentei. Por bastante tempo, inclusive. Disse a mim mesmo que não valia a pena, que tinha mais o que fazer, que queria assistir aos jogos da NBA sem me importar com as estatísticas, que eu queria ver o espetáculo do jogo sendo decidido na bola do último segundo… eu adoro esse auto engano, já diria o “Cenas Lamentáveis”. Acabei fazendo o meu time no fantasy também, né?
Ao longo do processo me tornei quem eu mais temia. Aquele que faz inúmeras projeções no draft de mentirinha que vai definir como vai ser a temporada. A pessoa que tira o celular do bolso para conferir o andamento das partidas. O conhecedor profundo do aproveitamento de lance livre e turnovers por partida de cada atleta. O cara que pontua cada piada sem graça com ah, esse aí joga muito no meu fantasy!. O infeliz que dá pitaco no time alheio e espera convencer o colega a fazer uma troca. Os jogadores de fantasy precisam ser parados urgentemente.
Tá, mas isso aí está valendo alguma coisa?, me perguntaram certa vez. Como é que eu ia explicar que valia a emoção da competição, a brincadeira entre amigos (ou pelo menos entre você e a pessoa que te chamou para participar com vários outros que você nunca viu na vida), a zoação, o… a… ok, não vale nada mesmo. Mas… poxa…
Inclusive o não tá valendo nada foi o que o vice-campeão alegou em tom de ironia, para o campeão da nossa última temporada. Achei injusto, devo confessar. Injusto para com a euforia que tomou conta do nosso campeão, que se classificou em último para os playoffs e terminou vencedor da competição. Nosso campeão que driblou o assédio dos colegas que desvalorizaram o seu elenco e fizeram de tudo para forçar trocas que ele, convencido da sua escalação, recusou. Nosso campeão que atualizava incessantemente a página do fantasy para conferir a sua porcentagem de acertos de arremesso e rezava para todo mundo estar com a mão calibrada. Nosso campeão que foi campeão em sua primeira temporada de fantasy. Nosso campeão que… que por um acaso fui eu mesmo.
Vão ter que me aturar!
Dedicada ao amigo André Rocha, que me convidou para um novo fantasy e rolou de rir com a minha má administração.