Pô, esse domingo vai ter a pelada dos coroa lá…
Já não precisa falar mais nada, é claro. Chega um determinado momento na vida do jovem peladeiro de domingo em que ele precisa ouvir essa frase, com algumas variações linguísticas. O caráter do jovem peladeiro não pode ser moldado só pelos da mesma idade. Precisa adicionar a experiência da maturidade. A pelada da vez era na Vila Olímpica do Sampaio, organizada pelo Pestana, ex-jogador do Tijuca. Sentiu o gabarito? Pois é. Só assim mesmo para manter a empolgação de embarcar num trem parador em plena manhã de domingo rumo à Zona Norte do Rio de Janeiro. Tenho amigos praticantes da macumba que costumam dizer que “macumba boa é macumba longe de casa”. Gostaria de estender a filosofia para o basquete. Se é longe de casa, é porque vale a pena. Ou pelo menos deveria.
Enquanto sigo no trem (em pé, é claro), vou pensando em outras peladas dos coroa lá que eu já participei ao longo dos anos. Vale a pena destacar o Aterro do Flamengo, que não é bem uma pelada organizada pelos ditos “mais experientes”. Eles simplesmente chegam lá sem muita cerimônia e topam bater bola com qualquer um que esteja a fim. De início é estranho, devo admitir. A sensação de marcar um pouco mais duro e perigar incorrer em algum artigo do Estatuto do Idoso é terrível. Mas quando menos se espera, você acabou de tomar uma bola passando por entre as suas pernas e se pergunta como é que ele fez isso? Não sei bem qual é o segredo, mas os coroas do Aterro do Flamengo não só esbanjam muita saúde, mas também muita técnica. Arremessam com uma qualidade de dar inveja, verdadeiros snipers da terceira idade.
Aqui pela minha área eu também faço parte de uma pelada com gente mais velha. Ninguém com cabelos branquíssimos como na Zona Sul. Quando muito, um fio grisalho aqui e outro ali. Outros ostentam uma bela careca, mas os fios da barba não deixam mentir: ali já jogaram muito mais basquete do que eu. Mas fica o incentivo. O incentivo para quem é mais novo fazer por merecer o respeito dos mais velhos. E não é só uma questão de bater bola. Suas atitudes também contam. Já vi um “mais novo” muito abusado, no calor do jogo, chamar um dos nossos veteranos de cuzão sem muito pudor. Ganhou como resposta um contundente chute na canela de alguém com o dobro do tamanho dele, para cima e para os lados. Normalmente eu sou contra violência, mas nesse caso eu abri uma exceção. Ainda lembro da galera falando bem feito para ele saber qual era o seu lugar.
E claro, ninguém emana tanto respeito como O Mais Velho, em letra maiúscula mesmo. Fala aí, Mais Velho! Firmeza?. O Mais Velho emana respeito. O Mais Velho parece que foi o próprio Professor Naismith, inventor do basquete. Tudo começou por causa d’O Mais Velho, que viu todo mundo ali dar os seus primeiros arremessos. Tem algo de tradição africana na admiração e respeito pela ancestralidade, e O Mais Velho é tipo o “pai de todos” ali. Lógico que nada impede O Mais Velho de falar um caminhão de besteira, assim como todos nós. Mas no basquete, é para ele que a gente se curva e comemora quando a cesta sai de suas mãos. Fico pensando se algum dia eu ainda chego no posto de ser O Mais Velho da pelada. Algum dia eu já fui O Garoto, o novo na pelada, aquele para quem ninguém pensava passar a bola de primeira. Algumas muitas partidas e anos depois, eu já estou no meio do caminho. Hoje eu já vejo a chegada de outros mais novos que eu e a experiência dos outros mais velhos contando histórias de quando eles jogavam com aros improvisados de roda de bicicleta. Quem sabe?
Ah, a pelada da Vila Olímpica do Sampaio. Que é longe. Mas vale a pena. Tem gente mais nova, gente da idade e da sabedoria do Pestana, que depois de duas partidas já partiu para os finalmentes e abriu a primeira garrafa de cerveja enquanto assistia aos outros jogarem. O dele tá pago.