Eu me lembro bem: era dezembro de 2016. Ou será que foi 2014? Começo a pensar que talvez tenha sido durante o Carnaval de 2012. Deixa eu começar de novo…
Eu não me lembro direito, mas foi em São Paulo. No Parque do Ibirapuera. Eu tinha ido fazer uma visita a um dos templos do basquete da Terra da Garoa, cheguei pedindo para bater bola, esperei mais gente chegar, formamos um trio e começamos a disputar uma partida de meia quadra. As regras do basquete de meia quadra no Ibirapuera já eram mais chegadas à modalidade olímpica do basquete 3X3. Acertou a cesta, tem direito a um lance livre. Sempre tenho que me lembrar delas quando estou em São Paulo. Fui me acertando com os meus dois colegas de time. Formávamos um trio razoavelmente habilidoso, com bons passes, arremessos e rebotes. Enquanto disputávamos a nossa primeira partida, outras pessoas foram chegando ao redor da quadra e já aguardavam a partida seguinte.
Foi quando eu pude reparar no trio seguinte que enfrentaríamos após a nossa vitória. Um rapaz de ascendência asiática, um tanto quanto baixo e gordinho. Uma moça de alguma idade, mais baixinha ainda do que o rapaz que já era baixinho, com sotaque latino fortíssimo. Um moço bem alto e bem forte, chamava a atenção pela sua camisa do Carmelo Anthony do All-Star Game. Ele tinha chegado de bicicleta, com seu filho pequeno devidamente sentado e amarrado na cadeirinha acoplada ao guidão. Com a bicicleta cuidadosamente estacionada, de maneira que o filho ficasse em segurança e com uma visão panorâmica da quadra, ele veio completar o trio desafiante.
A partida começou e o nosso trio razoavelmente habilidoso tomou um razoável sufoco daqueles três. O rapaz asiático era inacreditavelmente veloz além de qualquer coisa que pudéssemos imaginar, combinado com um domínio de bola muito eficiente. A moça latina que batia na minha cintura (sem exageros), tinha um talento para se esquivar dos gigantes, aparecer onde menos se esperava encontrá-la, pedindo a bola livre para o passe ou o arremesso para a cesta. E o moço grande, aquele da camisa do Carmelo Anthony, aparecia para receber a bola e arremessar de gancho um arremesso muito certeiro. Eu mencionei que era um arremesso de gancho? Porque esse era o único arremesso que ele era capaz de tentar. Esse moço, aquele que tinha chegado de bicicleta, tinha um dos braços atrofiados, de maneira que era impossível utilizá-lo para passar a bola, pegar rebote ou arremessar. E mesmo assim lá estava ele: passando, buscando rebote e arremessando brilhantemente. Vibrávamos com ele, mesmo ele sendo nosso adversário. Vibramos igualmente com a vitória dele e do seu time sobre nós. Em sua cadeirinha na bicicleta, o filho dele ria e batia palmas.
Eu queria ter dito para aquela criança, de uma maneira que um bebê de talvez pouco mais de um ano de idade pudesse me entender: “seu pai é incrível!”. Mas parando para pensar bem, era desnecessário. Para um bebê de talvez pouco mais de um ano de idade, o pai dele já era incrível. Sempre foi. E não porque ele tinha a camisa do Carmelo Anthony. Também não porque ele jogava um basquete maravilhoso com um braço a menos. Mas porque ele era o pai dele, e isso por si só já era motivo para reconhecer o quão incrível ele era. Hoje eu me identifico com aquele bebê na cadeirinha. Com pouco mais de um ano, com quinze, com trinta… acho que sempre vou ser um bebê na cadeirinha sabendo que meu pai era uma pessoa incrível acima de todas as dificuldades só por ele ser quem ele foi.
Eu continuo aqui, pai. Sentado na cadeirinha. Rindo e batendo palmas pra você. Te amo.
Essa é pra você.