Fosse em outra região desse Brasilzão afora, o título da coluna de hoje seria “Gurizada”, “Piazada”, “Molecada” ou demais variantes. Mas por aqui vai ser chamada de “Menorzada” mesmo e ainda assim vou cair em contradição porque vou estar falando de gente ironicamente maior do que eu.
Aconteceu um dia desses de eu ensaiar um retorno às quadras, exatamente um dia antes da minha segunda dose de vacina contra o coronavírus. Fui assistir aquele basquete raiz, aquele basquete de várzea, aquele basquete marcado para as nove que só começa às onze. Tinha uma menorzada jogando um basquete 3X3 na outra metade da quadra. Dava para ver, pela quantidade de dois dribles cometidos, que eles estavam dando os primeiros passos. E por incrível que pareça, conforme o pessoal mais antigo foi chegando e fazendo volume, quando fizeram a proposta para a menorzada encerrar o meia quadra e jogar quadra inteira, eles recusaram o convite, puseram as mochilas nas costas e foram embora. Timidez? Insegurança? Passeatas de sete de setembro onde estariam vestidos de verde e amarelo? Vai saber…
Enquanto eu permanecia assistindo aos outros colegas jogarem, depois de ter cobrado um lance livre para matar a saudade, acertar e sair “com aproveitamento de 100%”, fiquei pensando naquele grupo de garotos que saiu de quadra. Dava pra ver que mesmo estando pouco à vontade para disputar uma partida de quadra inteira com uma galera mais experiente, eles tinham aquele brilho no olhar, sabe? Quem conhece entende. Dá para separar quem está aprendendo basquete em quem tem aquele brilho no olhar e em quem simplesmente não tem. Não estou falando de habilidade e nem de técnica. Isso aí vem com o tempo. Aquele brilho no olhar é aquela paixão, aquele fascínio pela bola, pelo drible e pela cesta. Aquela sensação de estar hipnotizado pelo jogo e pensar que se é capaz de fazer tudo para estar em quadra jogando.
Normalmente ele aparece quando você é mais novo. Tem quem carregue de berço, coisa passada de pai e mãe para os filhos. Tem quem chegue tímido em quadra, não tenha coragem nem de pedir para jogar, mas fica na expectativa de uma bola perdida vir rolando em sua direção só para ter a sensação de pegar, dar uns dribles e devolver para o jogo. Até enfim ter coragem suficiente para querer jogar. Sem jeito, sem técnica de arremesso, sem ninguém disposto a passar a bola para você. Mas você está lá. Como um “menor” que certa vez no Parque Leopoldina meteu um arremesso do meio da quadra, tão impossível, que o time adversário jurava que a partida ainda não tinha começado (há controvérsias). Hoje o “menor” é um dos que são maiores do que eu. Me lembro também de outro menor, que jogava com a gente na Praça do Canhão e na Rua Limites em Realengo, que por sua vez era o completo oposto. Ele chegava com os pais, a mãe fotografando as partidas, ele vestindo sua camisa do Derrick Rose no Chicago Bulls. Aquele menor fazia pouca força para correr, tinha um arremesso displicente, e toda vez em que ele errava uma jogada, punha as mãos na cintura e assumia a expressão de mas vocês também, hein?. Por mais que a gente tentasse passar algumas dicas, ele fazia questão de ignorá-las. Faltava aquele brilho no olhar, sabe?
Voltando para o feriado de sete de setembro, mais gente foi chegando. Cumprimenta daqui, cumprimenta de lá, alguém pergunta a um recém-chegado: é o teu moleque?, apontando para um jovem vara-pau com porte atlético e maior do que o pai. Mal chegou, já estava no aquecimento, fazendo até flexão. Doido para correr, para mostrar serviço. Aquele brilho no olhar, sabe?
Mal posso esperar para voltar também.