Olá, pessoal com saudades da NBA! Como vocês estão?

Enquanto nós aqui do BIG3 estamos esquentando os motores para mais uma cobertura do melhor basquete do mundo, não poderíamos deixar passar a ocasião do Setembro Amarelo (ou Yellow September) para nos recordarmos de um relato muito forte publicado por Kevin Love no portal “The Players Tribune” em 2018. A atitude do astro de falar sobre algo que não é nada fácil de se conversar a respeito, merece todos os méritos. Por isso, decidimos fazer uma tradução da carta publicada por ele e compartilhar com vocês. Leiam, pensem, e acima de tudo, conversem a respeito. Foi a melhor coisa que o jogador do Cleveland Cavaliers fez. Pode ser pra você também 😉

Publicado originalmente em: https://www.theplayerstribune.com/en-us/articles/kevin-love-everyone-is-going-through-something

Todo Mundo Está Passando Por Alguma Coisa (Everyone Is Going Through Something)

Por Kevin Love

No dia 5 de novembro, logo após o intervalo de um jogo contra o Hawks, eu tive um ataque de pânico.

Ele veio do nada. Eu nunca tive um antes. Eu sequer sabia se eram reais. Mas foi real – tão real quanto uma mão quebrada ou um tornozelo torcido. Desde aquele dia, praticamente tudo a respeito da maneira que eu penso sobre a minha saúde mental mudou.

Eu nunca fiquei confortável em compartilhar muito a respeito de mim mesmo. Eu fiz 29 anos em setembro e por cada um dos 29 anos da minha vida eu fui discreto a respeito de toda e qualquer coisa em minha vida pessoal. Eu estava confortável em falar sobre basquete – mas vinha naturalmente. Foi muito mais difícil compartilhar coisas pessoais, e olhando para trás agora eu sei que eu poderia realmente ter me beneficiado em ter alguém com quem falar durante esses anos. Mas eu não compartilhei – nem com minha família, nem com meus melhores amigos, nem em público. Hoje, eu percebi que eu preciso mudar isso. Eu quero compartilhar alguns dos meus pensamentos sobre o meu ataque de pânico e o que ocorreu desde então. Se você está sofrendo em silêncio como eu estava, então você sabe como é quando ninguém realmente entende. Em parte, eu quero fazer por mim, mas principalmente, eu quero fazer porque as pessoas não falam o suficiente a respeito de saúde mental. E homens e garotos provavelmente estão lá atrás.

Sei por experiência. Crescendo, você percebe bem rápido como se espera que um garoto aja. Você aprende o que é necessário para “ser um homem”. É como um manual: Seja forte. Não fale a respeito de seus sentimentos. Resolva você mesmo. Então por 29 anos da minha vida, eu segui aquele manual. E veja, eu provavelmente não estou te contando nada de novo aqui. Esses valores a respeito dos homens e dureza são tão comuns que eles estão por toda parte… e invisíveis ao mesmo tempo, ao nosso redor como ar ou água. De forma que são muito parecidos com depressão e ansiedade.

Então por 29 anos, eu pensei sobre saúde mental como problema dos outros. Claro, eu sabia de alguma forma que algumas pessoas se beneficiavam ao pedir ajuda ou se abrindo. Eu só nunca pensei que fosse algo para mim. Para mim, era uma forma de fraqueza que poderia me tirar do caminho do sucesso nos esportes ou que pudesse me fazer parecer esquisito ou diferente.

Então veio o ataque de pânico.

Aconteceu durante um jogo.

Era o dia 5 de novembro, dois meses e três dias após eu completar 29 anos de idade. Jogávamos em casa contra os Hawks – 10º jogo da temporada. Uma tempestade perfeita de coisas estava para explodir. Eu estava estressado com questões que andava tendo com a minha família. Eu não estava dormindo direito. Em quadra, acho que as expectativas da temporada, junto com nosso início de 4 vitórias e 5 derrotas, estavam pesando em mim.

Eu sabia que havia algo de errado quase logo após o apito inicial.

Eu estava sem fôlego logo nas primeiras posses de bola. Aquilo foi estranho. E meu jogo simplesmente não encaixava. Eu joguei 15 minutos do primeiro tempo e fiz uma cesta e dois lances livres.

Após o intervalo, tudo foi jogado no ventilador. O técnico Lue pediu um tempo no terceiro quarto. Quando fui para o banco, senti o meu coração mais acelerado que o normal. Então tive problemas em recuperar o fôlego. É difícil descrever, mas tudo estava girando, como se o meu cérebro estivesse querendo pular para fora da minha cabeça. O ar parecia espesso e pesado. Minha boca parecia giz. Eu me lembro do nosso técnico assistente gritando algo a respeito de uma formação defensiva. Eu fiz que sim com a cabeça, mas eu não ouvi quase nada do que ele disse. Naquele ponto eu estava enlouquecendo. Quando eu me levantei para sair do banco, eu sabia que não poderia voltar para a partida – tipo, literalmente não conseguiria fazer isso com meu corpo.

O técnico Lue veio até a mim. Acho que ele podia perceber que algo estava errado. Eu balbuciei alguma coisa como “já volto”, e corri de volta para os vestiários. Eu corria de sala em sala, como se estivesse procurando alguma coisa que não pudesse encontrar. Para falar a verdade eu só esperava que o meu coração parasse de acelerar. Era como se o meu corpo estivesse tentando me dizer, você está prestes a morrer. Acabei parando no chão da academia, deitado, tentando conseguir ar suficiente para respirar.

O que veio depois foi um borrão. Alguém do Cavs me acompanhou até a Clínica de Cleveland. Fizeram um monte de testes. Tudo parecia ok, o que foi um alívio. Mas eu me lembro de ter deixado o hospital pensando, Espera… então que diabos acabou de acontecer?

Eu estava de volta para o nosso próximo jogo contra o Bucks dois dias depois. Nós ganhamos, e eu marquei 32 pontos. Eu me lembro do quanto eu estava aliviado em voltar para a quadra e me sentindo mais eu mesmo. Mas me lembro precisamente de estar mais aliviado com o fato de ninguém ter percebido o porquê de eu ter deixado o jogo contra Atlanta. Algumas poucas pessoas na organização sabiam, claro, mas a maioria não sabia e ninguém escreveu nada a respeito.

Mais alguns dias se passaram. As coisas estavam ótimas em quadra, mas algo estava me incomodando.

Por que eu estava tão incomodado com a possibilidade de as pessoas saberem?

Aquele momento foi um alerta. Eu havia pensado que a parte mais difícil já tinha passado após o ataque de pânico. Era o contrário. Agora eu me perguntava porque havia acontecido – e porque eu não queria falar a respeito.

Chame de estigma, ou de medo, ou de insegurança – você pode chamar de muitas coisas – mas o que me preocupava não eram apenas minhas lutas internas, mas o quão difícil era falar sobre elas. Eu não queria que as pessoas me vissem de alguma forma como um companheiro de equipe menos confiável, e tudo se resumiu ao manual que eu aprendi a seguir enquanto crescia.

Isso era um território novo para mim, e era bastante confuso. Mas eu tinha certeza de uma coisa: eu não poderia enterrar o que havia acontecido e tentar seguir em frente. Muito embora parte de mim quisesse isso, eu não poderia me permitir ignorar o ataque de pânico e tudo o que estava envolvido nele. Não queria ter que lidar com tudo em algum momento no futuro, quando poderia ser pior. Disso eu sabia.

Então eu fiz uma coisa aparentemente minúscula que acabou se tornando uma coisa enorme. Os Cavs me ajudaram a encontrar um terapeuta, e eu marquei uma consulta. Eu preciso parar aqui e dizer: eu sou a última pessoa que acreditava que eu fosse ver um terapeuta. Eu me lembro quando eu tinha dois ou três anos de liga e um amigo meu me perguntou por que os jogadores da NBA não iam à terapeutas. Eu zombei da ideia. Sem chance que algum de nós vai falar com alguém. Eu tinha 20 ou 21 anos de idade, e cresci em torno do basquete. E em times de basquete? Ninguém falava sobre o que estavam lidando dentro de si. Me lembro de pensar, quais são os meus problemas? Sou saudável. Vivo de jogar basquete. Com o que eu tenho que me preocupar? Eu nunca tinha ouvido de nenhum atleta profissional falando a respeito de saúde mental, e não queria ser o único. Não queria parecer fraco. Honestamente, eu nunca pensei que fosse precisar. É como o manual dizia – resolva você mesmo, como todo mundo ao meu redor sempre fez.

Mas é meio estranho quando você pensa a respeito. Na NBA, você tem profissionais treinados para afinar a sua vida em tantas áreas. Técnicos, preparadores e nutricionistas têm tido uma presença em minha vida por anos. Mas nenhuma dessas pessoas poderia me ajudar da maneira que eu precisava quando estava deitado no chão lutando para respirar.

Ainda assim, fui para a minha primeira consulta com o terapeuta com algum ceticismo. Tinha um pé atrás. Mas ele me surpreendeu. Por um momento, basquete não era o foco. Ele tinha um palpite de que a NBA não era a razão principal para eu estar ali naquele dia, o que foi reconfortante. Ao invés disso, nós falamos sobre um monte de coisas não relacionadas ao basquete, e eu percebi quantas questões surgem de lugares que você pode não perceber até olhar para eles. Acho que é fácil presumir que nós nos conhecemos, mas uma vez que você vai descascando as camadas, é incrível o quanto ainda tem para ser descoberto.

Desde então, nós nos encontramos sempre que eu estou de volta à cidade, provavelmente algumas vezes por mês. Um dos grandes avanços aconteceu em um dia de dezembro quando acabamos falando sobre a minha Vovó Carol. Ela era o pilar da minha família. Cresci com ela morando conosco, e em muitas maneiras ela era uma outra mãe para meu irmão, minha irmã e eu. Ela era a mulher que tinha um altar para cada um dos netos no quarto dela – fotos, prêmios, cartas coladas na parede. E ela era alguém com valores simples que eu admirava. Foi engraçado, certa vez eu dei a ela um par qualquer de Nikes, e ela ficou tão lisonjeada que ela me ligou para agradecer um monte de vezes durante aquele ano.

Quando eu fui para a NBA, ela estava envelhecendo, e eu não a vi tanto quanto antes. Durante meu sexto ano com os T-Wolves, Vovó Carol fez planos de me visitar em Minnesota no Dia de Ação de Graças. Então pouco antes da viagem, ela foi hospitalizada com um problema nas artérias. Ela teve que cancelar a viagem. Logo a condição dela piorou rapidamente, e ela entrou em coma. Poucos dias depois, ela se foi.

Eu fiquei devastado por um longo tempo. Mas eu nunca falei sobre isso. Contar sobre a minha avó para um estranho me fez ver quanta dor ainda me causava. Ir ao fundo da questão me fez perceber que o que mais me machucava era não poder ter me despedido. Eu nunca tive uma chance de lamentar, e me senti terrível por não ter estado em contato com ela durante os últimos anos. Mas eu enterrei essas emoções desde o falecimento dela e disse a mim mesmo, eu vou focar no basquete. Vou lidar com isso depois. Seja homem.

O motivo de eu estar te contando a respeito da minha avó não é nem sobre ela. Eu ainda sinto muito a falta dela e eu de certa forma ainda estou lamentando por isso, mas eu quis compartilhar essa história por conta do quão revelador foi falar a respeito. Durante o curto período em que estive indo ao terapeuta, eu tenho visto o poder de pôr as coisas para fora dessa maneira. E não é um processo mágico. É terrível e estranho e difícil, pelo menos na minha experiência até agora. Eu sei que você não se livra dos problemas falando deles, mas eu aprendi que com o tempo talvez você os entenda melhor e fazer com que se tornem mais lidáveis. Olha, eu não estou dizendo, todo mundo vá ver um terapeuta. A maior lição para mim desde novembro não foi a respeito de um terapeuta – foi sobre confrontar o fato de que eu precisava de ajuda.

Uma das razões que me fizeram querer escrever isso foi ler os comentários do DeMar (DeRozan, jogador à época no Toronto Raptors, que na melhor temporada de sua carreira, revelou sofrer de depressão) na semana passada sobre depressão. Eu joguei contra o DeMar durante anos, mas eu jamais poderia imaginar que ele estivesse lutando contra alguma coisa. Realmente faz você pensar sobre como todos nós andamos com experiências e lutas – todo tipo de coisa – e algumas vezes pensamos que somos os únicos passando por isso. A realidade é que provavelmente nós temos muito em comum com o que nossos amigos, colegas e vizinhos estão passando. Então eu não estou dizendo que todo mundo deve compartilhar seus segredos mais profundos – nem tudo deve ser público e é uma escolha pessoal de cada um. Mas criar um ambiente melhor para conversar a respeito de saúde mental… é aí que nós precisamos chegar.

Porque só em compartilhar o que ele compartilhou, DeMar provavelmente ajudou algumas pessoas – e talvez muito mais pessoas que a gente saiba – a sentirem que não estão malucas ou esquisitas ao lutarem contra a depressão. Os comentários dele ajudaram a tirar um peso desse estigma, e eu acho que é aí que a esperança reside.

Eu quero deixar claro que eu ainda não entendi tudo a respeito disso. Eu estou só começando a fazer o trabalho duro de conhecer a mim mesmo. Durante 29 anos, eu evitei isso. Agora eu estou tentando ser verdadeiro comigo mesmo. Estou tentando ser bom para as pessoas da minha vida. Estou tentando encarar as coisas desconfortáveis da minha vida enquanto também tento aproveitar, e ser grato, pelas coisas boas. Estou tentando abraçar tudo, o bom, o mau e o feio.

Eu quero finalizar com algo que eu venho tentando me lembrar durante esses dias: Todo mundo está passando por alguma coisa que nós não podemos ver.

Eu quero escrever isso de novo: Todo mundo está passando por alguma coisa que nós não podemos ver.

O lance é, por não podermos ver, nós não sabemos quem está passando pelo quê, nem quando e nem sempre sabemos o porquê. Saúde mental é algo invisível, mas toca a todos nós de uma maneira ou de outra. É parte da vida. Como o DeMar disse, “você nunca sabe pelo que a pessoa está passando”.

Saúde mental não é só coisa de atleta. O que você faz da vida não deve definir quem você é. Isso é uma coisa de todo mundo. Não importa sob que circunstâncias, todos nós carregamos coisas que machucam – e podem nos machucar se mantermos isso enterrado na gente. Não falar sobre nossas vidas pessoais nos priva de realmente nos conhecermos e nos priva da chance de ajudar quem precisa. Então se você está lendo isso e passando por um momento difícil, não importa se para você pareça grande ou pequeno, eu quero lembrar que você não é esquisito ou diferente por compartilhar o que você está passando.

Pelo contrário. Pode ser a coisa mais importante que você pode fazer. Foi para mim.