Chegaram juntos em quadra e, justiça seja feita, formavam um belo casal. Ele não enganava ninguém com todo o tamanho da sua envergadura e o shape com praticamente zero gordura. Tinha o famoso histórico de atleta. Pediu a bola e enquanto a pelada não começava, ensaiava uns arremessos e até mesmo umas enterradas. No outro lado da quadra, ainda na linha de fundo, ela ia mais devagar. Ela, que facilmente era uma das maiores mulheres em estatura que eu já tinha visto na vida, ensaiava os dribles com calma. Fintava para um lado e para o outro e fazia bandejas bem próximas à cesta. Procurava não se esforçar muito. O pequeno volume no seu ventre já entregava: tinha que tomar cuidado com o bebê que carregava dentro de si. Justamente por isso não chegou a jogar quando a pelada começou, mas continuou se exercitando sozinha com a bola e torceu muito pelo companheiro.
No pós pelada, um alerta no celular e uma mensagem dele no grupo da galera: pô, galera! Valeu a pelada hoje, boa demais! Queria convidar geral pro próximo domingo chegar lá na quadra pro chá revelação. Minha mina vai mandar a bola pra eu dunkar e na hora vai sair a fumaça pra saber se é menino ou menina.
Confesso que fiquei impressionado.
Primeiro pela aparente pirotecnia da coisa toda. Veja bem, até aquele momento, eu não fazia a menor ideia do que era um chá de revelação e de como funcionava o esquema do “azul para meninos e rosa para meninas”. De modo que eu imaginei um espetáculo pique Cirque du Soleil ou coisa parecida. Depois me explicaram como era e falaram que estava na moda. Eu só aceitei. O que eu achei fofo e esquisito ao mesmo tempo, foi que eu nunca tinha visto nem ele e nem ela. Juro que era a primeiríssima vez que os dois botavam os pés na pelada de domingo da Praça Guilherme da Silveira. Mas por algum motivo que sabe-se lá qual era, acharam que aquele era um bom lugar e a gente era uma boa galera para assistir todo aquele evento.
Acabei pensando inevitavelmente em outras crianças cujo chá de revelação eu perdi, ou sequer existiu, mas que de alguma forma acabei tendo outro tipo de revelação. Alguns colegas peladeiros revelaram-se pais babões, cuidadosos e preocupados com suas crias. Aquele cara que corria para buscar rebote, agora corria para trocar fralda. O cuidado com a bola agora era o cuidado de fazer a mamadeira. A gritaria em quadra daria lugar ao pedido de silêncio para a criança dormir. E claro que aquela pessoa que antes estava sempre disponível para jogar bola e era um dos primeiros a chegar em quadra, agora era a pessoa que respondia pô, hoje não vai dar…. E estava tudo bem.
Também me recordo de uma época de estágio na Rua da Alfândega, Centro do Rio de Janeiro. Na hora do almoço eu passava por um camelô que ficava mais ou menos na esquina da Rua Miguel Couto. Entre bugigangas das mais diversas que ele vendia, eu passava o olho para ver se tinha a mercadoria que eu buscava. Quando não tinha eu perguntava por ela, ao que o camelô me garantia que “estava para chegar”. E quando ela finalmente chegava, eu comprava com muita alegria uma bolinha de basquete miniatura e macia. Era para quem quer que estivesse para ser o papai da vez na nossa pelada. Era a minha forma de falar “vai lá e segue o jogo”.
Ah! O casal do chá de revelação? Nunca mais os vi. Também não rolou o prometido evento no domingo seguinte e até hoje não sei se era menino ou menina. Não importa. O que importa é que a criança esteja bem e também “seguindo com o jogo”. A gente hoje, e eles amanhã.
A pelada de hoje é dedicada à Elisa, ao Ikarus, à Laura, ao Nicolas, à Sofia e tantas e tantos peladeirinhos que vieram e seguirão vindo por aí