Eu não me recordo bem exatamente quando foi a primeira vez que eu assisti a um VT recuperado de Larry Bird nos Jogos Olímpicos de 92, mas me lembro muito bem qual foi a minha reação: Pô, o cara tá deitado no banco de reservas?, tal era o meu espanto diante daquilo. Tempos depois vi Steve Nash na época do Phoenix Suns fazendo a mesma coisa. Mas esses caras são marrentos mesmo, viu?, eu dizia do alto da minha ignorância. Tempos depois eu vim a descobrir que Larry Bird em 92 estava na verdade sofrendo com dores crônicas nas costas e a única posição na qual ele conseguia amenizar a dor, era deitado de bruços no chão.
Esse tipo de dor é algo que os atletas de alto rendimento estão sujeitos a ter. Eu entendo, eu também tenho. Se bem que a parte do “alto rendimento” fica por conta da subjetividade do leitor (para maiores informações, ler a coluna relatando a épica partida na Taquara). Mas nós, peladeiros do fim de semana também corremos o risco de ficarmos expostos a esse tipo de lesão. Eu mesmo já carrego na conta uma boa quantidade de pés e tornozelos inchados, uma semana de gesso no pé após uma torção mais forte, o pessoal na clínica de fisioterapia perguntando ué, você de novo?, e de maneira crônica, uma inflamação na cartilagem da qual volta e meia eu reclamo. Depende do dia.
Lesões como essas, quando acontecem, por incrível que pareça doem muito mais na cabeça do que no corpo. Não me refiro, é claro, aquela vez em que o Bruno Machado insistiu em jogar na quadra molhada mesmo com o pessoal avisando que estava escorregadio demais. Ele caiu e de fato bateu com a cabeça, mas nada muito sério além de um baque surdo e a galera falando eu avisei, ô animal!. Mas por “cabeça”, entenda-se os pensamentos que fazem você duvidar do quanto mais você vai permanecer em quadra. Bate aquele receio, aquele medo de dar uma pisada em falso, de forçar alguma parte do corpo que você ainda tem dúvidas sobre estar cem por cento ou não. Um dos nossos amigos, o Yuri, anda até hoje com uma placa de metal no pulso após cair por cima da mão. Levamos ele ao hospital imediatamente, ficamos assistindo Rússia e Bélgica pela Copa do Mundo do Brasil, e tomamos um susto quando descobrimos que ele ia ficar no hospital para a cirurgia. Hoje ele passa bem e, ironia do destino, é médico.
Mas poucas lesões mexeram tanto com a minha cabeça quanto a que aconteceu com o Lima. Para todos os efeitos, eu tinha conhecido o Lima fazia duas semanas. Um passe picado em profundidade para ele aberto no pivô, bandeja fácil e ele elogiando o passe que eu tinha feito. Esse era o máximo de contato que eu tinha com o Lima até então. Só que pouco tempo depois fomos jogar mais uma pelada aproveitando o feriado. Uma disputa de bola, o Lima e mais um buscando o rebote, a queda de um por cima do pé do outro e de repente todos em quadra dão as costas e gemem de dor como se tivesse acontecido com eles. Eu não tinha percebido direito o que aconteceu, até olhar para onde o Lima tinha pulado e finalmente entender. Sabem Paul George? Sabem Gordon Hayward? Uma coisa é ver pela TV. A outra é ver o tornozelo pendurado ali na sua frente.
Corre daqui, corre de lá, chama o SAMU, põe uma toalha por cima do tornozelo do Lima, cadê o SAMU?, o Jefferson é formado em educação física e dá um primeiro socorro, liga pra mãe do Lima, liga de novo para o SAMU, o Lima não sente tanta dor enquanto o sangue ainda está quente, a mãe do Lima chega, toma um susto, se recompõe, pede para olhar o pé, se fosse minha mãe no lugar dela já tinha desmaiado, passa uma ambulância no lado contrário da praça e eu corro atrás para dizer onde a gente estava, perco a ambulância, volto para a quadra, o sangue do Lima começa a esfriar e a dor vai chegando, a ambulância chega também e leva o Lima, o Magrão foi o último a chegar e pergunta vamo começar a partida?. Tá maluco, Magrão. Voltei para casa. Fiquei mal por pelo menos uma semana.
Tempos depois a gente teve notícias do Lima. Pelo que eu me lembro, conseguiram encaixar o pé dele de volta na marra mesmo, sem cirurgia. Eu imagino alguém enrolando uma toalha na boca dele e pedindo para ele morder para suportar a dor. Essa lesão abreviou a carreira dele no basquete. Bom que ele pôde focar na faculdade… de fisioterapia, para quem gosta de ironias.