E teve aquele dia que por um compromisso desses da vida eu não fui para o basquete. Mais ali pelo fim da manhã o alerta de várias mensagens chegando no celular rouba a minha atenção. Foi meio difícil de entender o que rolava porque uns riam e outros também riam, só que para não chorar. Pô, o cara nunca vem pra pelada! Quando vem, faz isso!; E agora, mermão?… Foi aí que eu entendi. O tal do Marreta, talvez fazendo jus ao apelido, cismou de pensar que era Lebron James e mandou uma enterrada que levou embora o aro da tabela da Praça do Canhão. Agora era hora da verdade.
Porque por mais que a gente crie um laço, um vínculo com o lugar onde jogamos nossa pelada, a gente nunca pode chamar o lugar de nosso até que situações como essa aconteçam. Quando chega a sua hora de arregaçar as mangas, ou arregaçar a regata que não tem mangas, e cuidar da quadra.
Só dá valor, o verdadeiro valor à quadra, quem cuida dela. Choveu ontem? Leva o rodo. Quem não trouxe o rodo vai chutando as poças d’água. Aro tá torto? Combina de levar a escada e a chave de fenda. Não tem escada? Pega o mais levinho e sobe nas costas do parrudinho. Redinha tá podre? Vaquinha, galera! Hora de botar a mão no bolso! A linha de três sumiu? Vamos de vaquinha de novo e amanhã todo mundo na quadra para pintar.
Há quem espere a época das eleições e o papo de vereador ou deputado querendo se eleger. É triste, porém verdade. As quadras públicas, na sua maioria poliesportivas, ficam sob o poder público. Só que o poder público não joga pelada de domingo e nem sabe o que é uma cesta da virada. Depender da boa vontade e da corrida dos votos não é bom negócio para quem quer garantir o ritual sagrado da pelada no domingo. É correr atrás do seu. Do nosso.
A Praça do Canhão é área militar. Fica aberta a gente, que só quer jogar o nosso basquete. Só não ficaria mais aberta ao Marreta, que apareceu daquela vez para nunca mais. Pobre da gente se fosse depender dele. Fomos falar com o comandante responsável pela Praça do Canhão. Ele era responsável pela praça, mas a gente era responsável pela quadra. Quem disse isso? Nós mesmos, ué! Os pais de um menino que estava aprendendo a jogar com a gente se ofereceram para fazer o reparo da tabela e do aro. Um de nós também foi lá falar com o comandante. Mas o Léo não se ligou que era área militar e foi barrado na parte de fora do quartel por estar de bermuda. Quatro de nós foram levando a tabela, um de cada lado segurando sobre as cabeças, Rua Capitão Teixeira acima. Já foi na Capitão Teixeira? O Bruno jura que ali parece que a gente está na Índia. A vaquinha rolou e todo mundo botou a mão no bolso. Até gente que não aparecia há tempos para jogar com a gente. E o Marreta nem tchum. Pedi um socorro para o meu vizinho que na época tinha um furgão e muito tempo livre. Fomos lá na Capitão Teixeira buscar a tabela consertada e levar no quartel. Que satisfação, aspira.
De lá pra cá outros incidentes aconteceram. Nenhum deles com o Marreta. Alguns resolvidos por nós, outros pelos militares. Hoje em dia a quadra da Praça do Canhão tem tabelas de acrílico. De escangalhado só tem o meu joelho mesmo. Qualquer dia a gente volta e se reencontra. Só não chamem o Marreta.