Pelo bem ou pelo mal, alguém tem que receber a humilde tarefa de começar os trabalhos da pelada. É aquela primeira pessoa a chegar na quadra, seja ela na praça ou no ginásio. Pode ser a pessoa que mora mais próximo da quadra, mas a experiência ensina que é justamente o contrário. Quem mora perto da quadra é sempre um dos últimos a chegar. Aquele que mora longe, valorizador do longo tempo gasto na caminhada, no carro ou no transporte público e sabedor do tamanho do perrengue, esse sim é quem chega primeiro.

E aí nessa brincadeira ele pode ser a pessoa que chega na quadra e termina de dormir o que não dormiu na cama. O que enrola para calçar os tênis. Ou, claro, o que pega o telefone e começa a perguntar “cadê vocês?”, reclama que “toda vez é isso”, ou, minha favorita, mente dizendo que “já tem dois times de fora”. Nada contra. Inclusive acho justa a indignação. Entretanto eu devo confessar que eu faço o outro tipo.

Não me incomodo com a quadra vazia. Pelo contrário, me sinto bem. Fico à vontade para me alongar com calma, sem a ânsia do resto do pessoal falando para botar o tênis e vir logo completar os dez que estão em quadra. Tiro a bola da mochila, seguro e abraço como quem abraça uma velha amiga. Vou caminhando em direção à cesta sem a menor pressa e dou os meus primeiros arremessos do dia. Geralmente começando da linha do lance livre. Conforme calibro a mão, experimento de outros cantos da quadra. E a linha dos três é uma tentação. Todo mundo quer ter o seu momento de Stephen Curry. Se errar, é bom que não há testemunhas para o vexame.

Estar sozinho entre as quatro linhas é uma das muitas maneiras de você se conhecer e conhecer o seu jogo. Você descobre o quão longe consegue arremessar. Experimenta imitar um lance que viu alguém fazendo na TV. Inventa um exercício doido para melhorar o seu rebote. Honestamente eu não confio em quem não consegue ficar à vontade sozinho em quadra. Quando passo por uma delas a pé ou de ônibus, fico feliz quando vejo pessoas jogando basquete. Fico mais feliz ainda se vejo um único indivíduo parado e arremessando. Ele está investindo no seu jogo, se aprimorando, com vontade de ficar cada vez melhor. Ou só jogando a bola para o alto e vendo no que vai dar.

Foi praticando meus arremessos que eu me lembrei dos ensinamentos de um grande professor. Não o de Educação Física, que por sua vez me ensinou fundamentos valiosos do basquete. Mas na verdade me lembrei do professor de Física, que foi quem me ensinou sobre o movimento da parábola que a bola faz em direção à cesta. Foi com ele que eu aprendi como a energia flui através do meu corpo e como calibrar o meu arremesso. Também foi sozinho que eu quis imitar Kareem Abdul-Jabar (para vocês verem o tamanho da audácia!) e aprender na marra como fazer o arremesso em gancho. E na quadra, sozinho, foi o lugar para onde eu fui senão em todos, pelo menos na maioria de todos os momentos ruins da minha vida. Demissão, luto, rompimento… no dia seguinte só existia um único lugar aonde eu pudesse estar em paz. Ouvindo o barulho do vento, do choque da bola com o chão, o aro e a tabela, a rede balançando. Swish. Paz.

Guardo boas memórias da minha solidão em quadra. Nelson Rodrigues diria que “a grande, a perfeita solidão, exige a companhia ideal”.

Eu e a bola de basquete nos bastamos.

Quadra do Círculo Militar da Vila Militar – Rio de Janeiro – RJ

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