É importante continuar quebrando estigmas, educando os outros sobre a doença mental para que haja menos julgamento e mais empatia
No dia 19 de janeiro, Kyrie Irving reapareceu após não comparecer para jogos e treinos do Brooklyn Nets por dias, e deu uma entrevista com um semblante extremamente abatido, o que reacendeu a discussão sobre a depressão que ele vem enfrentando há alguns anos. O fato provocou reações de apoio por parte dos fãs.
Já em 2018, o técnico assistente do Houston, John Lucas, disse acreditar que 40% ou mais dos jogadores tinham problemas de saúde mental. Todavia, poucos são aqueles que reconhecem o próprio sofrimento e se pronunciam publicamente a respeito. Esse tópico parece circular por baixo dos holofotes, quase “esquecido” no mundo do esporte e, sobretudo, na NBA.
Diante disso, são necessárias duas considerações: a primeira delas é que muitas pessoas romantizam a vida dos atletas, acreditando que são invencíveis, que o sucesso, o dinheiro, a fama e a vida de “primeira classe” os torna imunes, de certa forma, aos transtornos mentais; a segunda é que há um grande estigma ao redor das doenças mentais, de maneira que o medo de ser rotulado – sobretudo para atletas homens e negros – dificulta muito que aqueles que padecem discutam abertamente sobre os seus problemas e busquem ajuda.
Vivemos em uma sociedade machista que impõe aos homens certo padrão de conduta, sob o risco de se questionar a sua masculinidade se tal padrão não for seguido. Assim, os homens são ensinados a serem “fortes”, a guardarem suas emoções e lidarem com as angústias sozinhos, não devendo chorar e muito menos procurar auxílio, pois isso faz deles “menos homens”. E é por causa disso que a maior parte dos atletas se silencia, escondendo a dor até que ela os destrua.
Vimos um exemplo muito recente disso na bolha em Orlando. Durante os quatro primeiros jogos entre Los Angeles Clippers e Dallas Mavericks, pelos playoffs, Paul George teve um desempenho bem ruim e sofreu muito com todas as zoações feitas na internet, sobretudo com o apelido Playoff P, que o próprio jogador se dera anos antes. Depois da vitória no jogo 5, no qual fez 35 pontos, o jogador confessou sofrer de ansiedade e depressão, e sw ter subestimado sua saúde mental. Ele foi honesto, se permitiu ser vulnerável e revelou também ter se consultado com um psiquiatra antes do jogo decisivo, fato que, juntamente com o apoio da família e dos companheiros, o ajudou a sair do “buraco” em que se encontrava.
Mas essa atitude de George é um mero reflexo do que já vem acontecendo há algum tempo na liga, graças à disposição crescente dos atletas em compartilhar o seu sofrimento e discutir os problemas até então vistos como tabus em esportes de elite, abrindo as portas para os demais e gerando maior conscientização. E isso começou realmente com DeMar DeRozan, em fevereiro de 2018. Durante o fim de semana do All-Star Game, DeRozan escreveu em sua rede social que a depressão “tira o melhor dele”, gerando reações de preocupação e carinho, por parte de seus companheiros e fãs.
DeRozan sempre afirma que isso não é algo de que ele se envergonhe e que, ao final do dia, todos são seres humanos e não apenas atletas. Ele reforçou a importância de usar sua voz e sua plataforma para espalhar conhecimento que possa ajudar os outros. Seu tweet foi a mola propulsora para dar início às conversas que alteraram a trajetória de como a NBA e a associação de jogadores decidiram abordar o tópico em 2018 – e que surtiu muito efeito, pois em maio daquele ano, essa última lançou um programa de bem-estar e saúde mental comandado pelo ex-jogador Keyon Dooling.
Semanas depois de DeRozan, foi a vez de Kevin Love: ele publicou um forte artigo no The Players Tribune em que descreveu um ataque de pânico sofrido durante um pedido de tempo técnico e que o forçou a sair do jogo, percebendo que o episódio era o resultado de uma longa batalha contra a ansiedade. Ele fundou a Kevin Love Fund para melhorar o bem-estar físico e emocional e tem constantemente se pronunciado a respeito da importância da saúde mental.
Antes deles, Keyon Dooling, ex-armador do Boston Celtics, encerrou precocemente sua carreira e se internou num hospital em 2012, já que vinha sofrendo com ilusões paranoicas e alucinações, que ele descobriria serem sintomas de estresse pós-traumático – resultado de violência sexual sofrida enquanto criança. Em outro excelente texto no Players Tribune, ele discute o estigma, não só na NBA, mas na comunidade afro-americana, e conclui que não se pode passar a vida fugindo do “fantasma”, insistindo que se alguém está sofrendo, deve buscar ajuda.
C.S. Lewis já dizia que o problema da dor mental é que é menos dramática do que a dor física e que a tentativa de esconder aumenta o fardo. É importante continuar quebrando estigmas, educando os outros sobre a doença mental para que haja menos julgamento e mais empatia. Afinal, ao fim do dia, todos passamos por algo. A dor não discrimina, não escolhe e a doença mental pode afetar qualquer um, em qualquer momento. Por isso, se estiver sofrendo, não hesite, busque ajuda, você não precisa passar por isso sozinho e em silêncio.