Salve, gigantes!
Hoje, dia 24 de agosto, comemora-se o “Mamba Day”. Isso porque o dia 24 e o mês 8 são os dois números usados por Kobe Bryant ao longo de sua carreira. No ano de 2020 essa data ganha todo um outro significado diante da perda que sofremos de Kobe, sua filha Gianna Bryant e as demais vítimas do acidente de helicóptero. É uma data onde celebramos e honramos sua carreira vitoriosa e o seu legado para o mundo do basquete.
Diante disso, resgatamos um texto que o Renan, membro de nossa equipe, escreveu com o seguinte título: “Alguém aí já conseguiu se recuperar?”. Muito mais do que trazer à tona um momento que poderia significar tristeza e do qual muito provavelmente não, nós ainda não conseguimos nos recuperar, decidimos trazer uma boa memória com muitos sentimentos envolvidos.
Neste Mamba Day vamos voltar ao dia 13 de abril de 2016…

Alguém aí já conseguiu se recuperar?

Porque eu não.
E provavelmente nunca vou me recuperar da noite do dia treze de abril de dois mil e dezesseis. A noite do último jogo da carreira de Kobe Bryant.
Para falar a verdade, muito antes dessa noite, eu ainda não havia me recuperado inteiramente do anúncio de sua aposentadoria. Acho aceitável. Quando um jogador (se é que eu posso classifica-lo apenas como “um jogador”) está há vinte anos na área, dificilmente você não se acostuma com a sua presença constante. Você pode até ter cogitado na sua cabeça “ele já está pra se aposentar” mas aí quando o cara vai lá e fala que de fato, ele vai se aposentar, abandona-se o bom senso e inevitavelmente a gente pensa “é sério?” Dessa vez era. Pra valer. E como não, não é a aposentadoria de apenas um jogador, esse cara vai lá e escreve uma carta. Uma carta cujo destinatário era o basquete. A carta começa dizendo “Querido basquete…” E você vai, como um intruso, vai lá e lê a carta do cara para o basquete. Você que não tem o direito de meter o bedelho na relação do cara com o basquete. Mas mesmo assim vai lá e lê. A confissão, a entrega, os sentimentos. Do cara para o basquete. Ou talvez… Como se fosse o basquete escrevendo uma carta para o basquete. Porque esse não é só um jogador se aposentando. É Kobe Bryant se aposentando.
E de repente a temporada que começou em 2015, ora vejam, já acabou. Nessa noite derradeira que nós nem percebemos chegar. Mas chegou. Uma noite de jogos decisivos, decidindo vagas, decidindo recordes históricos, decidindo o futuro de jogadores e técnicos. Quatorze jogos numa noite e nós só queríamos saber de um deles. Por outro prisma, seria um jogo desimportante. Los Angeles Lakers contra o Utah Jazz. Nenhuma das duas equipes brigando por pós-temporada. Entretanto, aquela noite no Staples Center em Los Angeles era especial. Era enfim, a última noite de Kobe Bryant vestindo a camisa amarela que vestiu por vinte longos e inacreditáveis anos. A noite em que aquele ginásio ultrapassaria em muito a sua lotação máxima, com a presença e o pensamento de um mundo inteiro que ama o basquete. E como o amor é muitas coisas menos mal-educado, não negaria a esse mundo a chance de se despedir do atleta cujo nome virou sinônimo do esporte, mesmo que esse mundo não estivesse nas cadeiras das arquibancadas. Mas esse mundo, ah, esse mundo todo estava lá. Eu estava. E você também.
E as emoções, que já vinham se acumulando, ganharam o reforço do depoimento de uma lenda para outra. Magic Johnson, representando o Los Angeles Lakers, encabeçou os discursos da noite. E foi seguido por muitos representantes de toda NBA. Depoimentos, aplausos, hashtags. Valia tudo para prestar homenagem. E tudo ainda assim parecia nada. Até que o jogo começou e era um jogo como todos os outros jogos da temporada. A equipe do Lakers fazendo o possível para dar um final digno à carreira de Kobe Bryant, mas falhando na maior parte das vezes. Não que alguém estivesse ligando muito para o destino dos Lakers na temporada ao invés de aproveitar cada uma das oitenta e duas oportunidades de se despedir do Kobe. O Utah Jazz jogou sem muita gana na marcação (é a noite do cara, ora bolas!), porém foi pontuando. O Lakers, sem vergonha nenhuma, passava toda as bolas possíveis para Kobe Bryant. Que por sua vez demonstrava os sinais do porquê sua aposentadoria se fazia necessária. O corpo já não respondia mais, já não aguentava o tranco, já não conseguia ser tão preciso quanto antes. Absurdamente normal, tendo em vista o quanto um atleta desse nível força os próprios limites; e até surpreendente, quando se para pra pensar que ele manteve um alto nível por quase todos os vinte anos de atividade. Kobe doin’ work.
Quando menos se espera, assim como foi essa temporada, já estamos no último quarto de jogo. Nos últimos doze minutos da carreira de uma lenda. Que com um corpo de “velho” aos seus trinta e sete anos, forçava muitas bolas, trocava algumas breves sequências que lembravam o Kobe de outrora com tantas outras de muita bola amassando o aro (quando encontrava o aro). Tanto faz. Ele não tinha obrigação nenhuma de jogar bonito, de ser decisivo, de fazer espetáculo. O que era aquela noite comparada com todos os outros anos de carreira? Esse jogo nem valia nada no final das contas, não é mesmo?
Não é?
Não, não era.
Não com Kobe Bryant em quadra.
E de repente o jogo que não valia nada, passou a valer tudo. Afinal, o que custava o Los Angeles Lakers virar o jogo pra cima do Utah Jazz? Era pedir muito que o time buscasse a vitória na última noite do Kobe? Só que não era assim tão simples. Não era permitido ser assim tão simples. Tinha que ser e só podia ser complicado, inusitado, espetacular, apoteótico ou qualquer outro adjetivo que melhor se encaixar nesse caso. Isso supondo que já tenham inventado alguma palavra capaz de definir o Kobe Bryant do último quarto daquela noite. Creio que vão morrer tentando. Tentando definir o Kobe Bryant que entrou in the zone, que é quando os atletas do basquete ganham um ímpeto de adrenalina que eleva todos os limites do corpo. Aumenta os reflexos, a velocidade, a precisão, a potência. Que é isso? Um mutante dos quadrinhos em quadra? Quem viu sabe. Quem olhou nos olhos do Kobe naquela noite, quem viu o que ele fez, cesta a cesta, sabe. Apenas sabe. Testemunhou. Sessenta pontos. Uma vitória de virada. Recorde de pontuação de um jogador na temporada. Recorde de pontuação de um jogador de trinta e sete anos. Pontuação que ele não atingia desde o ano de 2009. O final perfeito. Emocionante. Do início ao fim. Do jeito que tinha que ser. O único jeito possível.
Repito: ainda não me recuperei. Provavelmente nunca vou me recuperar. E não estou falando só das lágrimas de emoção derramadas naquela noite. Não estou falando só da noite dos oitenta e um pontos. Não estou falando só dos cinco títulos. Não estou falando só de todos os recordes e marcas pessoais da carreira. Estou falando que provavelmente nunca vou me recuperar do que Kobe Bryant representou para o basquete durante os últimos vinte anos e do que ele vai representar pelo resto da eternidade. Ouso dizer que o resto do mundo também não vai se recuperar.
Sorte a nossa.
Thank you Kobe!

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