No dia 20 de novembro foi aberta a free agency da nova temporada da NBA. E já nessa data começaram os costumeiros rumores de troca envolvendo vários atletas. Fãs ficaram até altas horas da madrugada no Twitter esperando qualquer “bomba” de Woj e Shams Charania, e estavam animados com o prospecto de chegada de alguma estrela à sua equipe. Isso me fez pensar na questão da lealdade do atleta à franquia e do quanto ela ainda é apreciada.

Sabemos que atualmente é cada vez mais raro que um atleta dedique toda sua carreira profissional ao mesmo time. As equipes detêm cada vez mais recursos e estão dispostas, portanto, a oferecerem contratos altíssimos aos atletas. Ao mesmo tempo, os jogadores querem ser campeões e líderes de suas próprias equipes.

Dentre os jogadores considerados mais leais, a grande maioria – e talvez seja apenas uma coincidência – começou a jogar no século passado, como Reggie Miller, Tim Duncan, Kobe Bryant e Dirk Nowitzki.

Dirk Nowitzki foi um dos maiores jogadores estrangeiros da NBA. FOTO: DON EMMERT/AFP via Getty Images.

Na liga atual são poucos os jogadores que permaneceram na equipe em que começaram, como Stephen Curry, que já está há 11 anos no Golden State Warriors, e Udonis Haslem, desde 2003 no Miami Heat. Mas talvez não haja exemplo maior de lealdade do que Damian Lillard, que repetidamente afirma que “nunca trocará a cidade de Portland”. Contudo, ele próprio reiterou que a organização pode trocá-lo em qualquer oportunidade, pois, segundo ele, “são negócios, e isso é basquete”.

Então, por que se cobra tanto a lealdade do atleta à franquia, quando a recíproca, na maior parte das vezes, não é verdadeira? Em 2017 foi concluída uma das negociações mais sangue frio da história da NBA. Isaiah Thomas, o armador “baixinho”, chegou em Boston, conquistou os torcedores e entregou uma temporada que o levou a ser considerado para o MVP. Mas, num golpe do destino, ele sofreu uma lesão muscular grave no quadril, porém continuou jogando. Depois ele perdeu tragicamente sua irmã e, após dois dias, já estava em quadra para jogar pelos playoffs, emocionando todos seus companheiros. Thomas dedicou seu coração e alma ao time, e o que recebeu em retorno foi ter sido trocado na off-season. Esse foi um exemplo que demonstra que as franquias sempre executam seus planos buscando acordos mais lucrativos, atletas mais famosos e passíveis de ganhar um anel, em detrimento do bem-estar e do desejo do próprio jogador.

Isaiah Thomas recebe o apoio de Avery Bradley após a trágica morte de sua irmã Chyna. Foto: USA Today.

Isso é observado todo ano na liga: há duas semanas, Woj e Shams anunciaram uma troca que levaria Bogdan Bogdanovic, do Sacramento Kings, ao Milwaukee Bucks, formando um quinteto titular arrasador na terra de Giannis Antetokounmpo. Parecia tudo acertado, mas faltava um “pequeno” detalhe: as equipes tinham “se esquecido” de avisar o próprio jogador, que aparentemente não queria essa troca e acabou indo para o Atlanta Hawks.

Com esses exemplos é possível ver que as franquias sempre detiveram o maior poder na relação (nada equilibrada) que impõem a seus atletas, vistos, majoritariamente, como moeda de troca. Um movimento histórico que quebrou esse paradigma foi a decisão de LeBron James levar seus talentos para a equipe do Heat em 2010. Depois de passar sete anos em Cleveland, com times que não eram bons o suficiente para ganhar um campeonato – apesar de todo seu esforço, levando a franquia à final em 2007 -, ele decidiu que era tempo de ser motivado por outros grandes atletas e ter a real oportunidade de ser campeão, o que é o maior objetivo de qualquer atleta. Ele não fez nada de criminoso ou imoral, mas foi extremamente odiado por isso, não só pelos fãs do Cleveland Cavaliers, mas pelos fãs da NBA em geral e talvez até por alguns jogadores. No episódio de seu podcast com Dwyane Wade, JJ Redick sugeriu que todo esse ódio se devia ao fato de, finalmente, um homem negro tomar as rédeas do seu próprio destino, ao invés de colocar os desejos da franquia em primeiro lugar. LeBron, de certa maneira, inverteu a lógica da relação, dando muito mais poder aos atletas hoje, que se veem como seus “próprios donos”, podendo decidir jogar em outra franquia, se essa lhe oferecer um “pacote” mais atrativo – e disso vem todo esse frenesi com a free agency. Os atletas hoje têm muito mais controle de suas carreiras, buscando negócios mais lucrativos e maiores chances de vencer um campeonato. E qual é o problema disso?

A verdade é que, de fato, não existem mais Nowitzkis, e a lealdade passou a ser um item raro. Ela deve ser sim apreciada, mas não pode chegar a ser um fator que deprecie um jogador que escolha ir para uma equipe diferente daquela em que começou a carreira. Os atletas leais são únicos, mas os jogadores que resolvem perseguir seus sonhos em outro lugar não devem ser menos valorizados. Afinal, o que seria da história da NBA se LeBron não tivesse decidido jogar em Miami, formando o Big 3 com Wade e Chris Bosh? Ou se Kawhi Leonard não tivesse ido para Toronto? E se a transferência de Kevin Durant para o Warriors não acontecesse? Há espaço suficiente para apreciar todos, reconhecendo o legado que construíram pelos times onde ficaram ou passaram.