Aí você vai lá e fala que curte basquete. Joga a sua pelada no fim de semana (deixo aqui o meu protesto diante dos grupos de Whatsapp com gente marcando pelada segunda-feira à noite, judiando do trabalhador). Quem não te conhece ou nunca te viu em quadra, te concede o benefício da dúvida. Te olha dos pés à cabeça e imagina que você deve fazer igual aos caras da TV. Você é alto, né? – nem tanto, nem tanto. Mas você consegue acertar aquela bola longe de três? – olha, de vez em quando, num dia bom… E enterrar? Você enterra? – valeu, já deu minha hora de ir pra casa.
Veja bem, amigo leitor: eu não tenho o menor problema em reconhecer que para alguém que joga basquete, eu saio pouquíssimos centímetros do chão, por mais alto que eu tente pular. Sim, fui daquela geração que recebeu do coleguinha um arquivo duvidoso de pdf prometendo aumentar o seu impulso vertical e fazer de você o próximo Shawn Kemp. Obviamente não funcionou comigo, mais porque eu sequer tentei do que por qualquer outra coisa. Mas me serve de consolo o fato de não ter servido para mais ninguém, inclusive os que tentaram.
Outro consolo plausível é pensar em certos colegas peladeiros que possuem suas deficiências no jogo e não têm problema com isso. Tenho dois amigos que são extremamente alérgicos à bandeja, que por sua vez é considerada o movimento mais simples para fazer uma cesta. Não adianta. Eles sequer tentam. Mesmo a centímetros de distância do aro, tome jump shot e é isso aí. Mas é um baita jump shot, diga-se de passagem. Praticamente impossível de marcar.
No fim das contas quando a gente joga basquete, assim como em todas as outras coisas da vida, temos sempre que compensar alguma coisa com outra. Se eu não salto muito, preciso saber tomar a frente do meu marcador e fazer o box out na defesa. No ataque, preciso ser um bom passador, ter um bom arremesso e fazer uma boa leitura do jogo. Os amigos que não sabem fazer bandeja usam o jump shot em seu favor. E todo mundo que não sabe a hora de mandar um passe de peito ao invés de um passe picado normalmente é tão veloz que parece estar em todos os lados da quadra ao mesmo tempo.
Porque O Criador, seja lá qual for o nome que você dê a Ele, sabe equilibrar as coisas. Tirando é claro, aquela vez em que O Criador desceu ao nosso plano terreno no corpo de Michael Jordan. Ali O Criador apelou. Mas até o Shaquille O’Neal errava lances livres. Até o Dennis Rodman era bom sem fazer muita cesta. Até aquele seu amigo do Ensino Médio ruim de paquera era bom de papo e muito engraçado (podendo inclusive esse amigo ser você mesmo. Ou este que vos escreve. Nunca se sabe).
Todo mundo é bom em alguma coisa nessa vida. Talvez não o tempo todo. Talvez não agora. Talvez aquela pessoa que fica ali na beira da quadra esperando só uma chance para correr de um lado para o outro e não receber uma única bola durante a partida inteira, talvez seja essa pessoa aquela com quem você vai contar o tempo todo daqui a alguns anos. É só saber compensar.
Compense um arremesso errado com um rebote salvador. Compense um turnover com uma roubada de bola. Compense um dia ruim de trabalho com um dia para não fazer absolutamente nada. Compense uma semana ruim com uma pelada de domingo de lavar a alma. Compense o peso da vida com a leveza de uma boa conversa entre amigos. O mundo é uma bola. E ele segue girando.
Dedicada ao Trio dos Chegado