Já diria o sábio: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Uma coisa é aquela pelada entre amigos, a galera que deu os primeiros arremessos junto com você e errou as mesmas bandejas que você vergonhosamente errou. Ali todo mundo se entende. Agora outra coisa é pelada nova. Aí o negócio ganha outros contornos.
Claro, você pode ter chegado ali à convite de outro amigo que veio com essa história de pô, tem um lugar que rola uma pelada maneira e tal… ou seja, ele que se responsabilize por qualquer vexame que você eventualmente e provavelmente venha a dar. E existe também a possibilidade daquele jogador mais aventureiro, que é a categoria na qual eu me incluo, que passa por um lugar, vê uma galera batendo bola e pensa vou aparecer lá qualquer dia desses.
E você vai, super bem intencionado, chega como quem não quer nada, pega uma bola perdida que vem na sua direção, dá uns dribles antes de devolver (assim o pessoal percebe que você também sabe fazer aquilo) e pergunta na humildade posso ficar de outra?. Pronto. Está feito. Você olha atentamente quem já está em quadra, os outros que estão de fora, dá aquela aquecidinha sem compromisso com um certo frio na barriga… o de sempre. Então você entra em quadra já pensando que vai ser aquele cara que surpreende a todos, fazendo-os pensar como é que nunca te chamaram antes para jogar com eles. Só que a grande verdade é que ninguém te passa a bola, por mais que você levante a mão e apareça livre para o arremesso. Você que se vire atrás de um rebote que porventura venha cair na sua mão para logo em seguida subir para um arremesso que não chega nem perto de virar cesta, que por sua vez se transforma em contra-ataque para o time adversário que faz o ponto em cima do seu time. Pronto, agora ninguém mais olha para você.
Talvez baseado em fatos reais, o relato acima já deve ter acontecido na carreira de muito peladeiro. Você é o novato, você tem que provar o seu valor. Que o diga o meu leitor e parceiro Cristian Pedroso, que ao visitar os States, cismou de querer disputar uma pelada onde o pessoal estava apostando dinheiro! Jordan me livre de passar vexame internacional e perder meus preciosos dólares que eu sequer tenho. Vergonha eu passo jogando em casa, no basquete do Valqueire, do Aterro, do Parque Madureira… Aqui na Zona Oeste do Rio de Janeiro eu fui construindo pouco a pouco (e a duras penas) a reputação de jogar em Bangu, Realengo, Padre Miguel e adjacências. De maneira que bem ou mal tem gente que já me viu uma ou duas vezes mesmo sem saber o meu nome. Nada que se compare ao Sagat, por exemplo. Sagat é um cara que você não chama para a pelada, porque você já conta que o Sagat vai brotar a qualquer momento por se tratar de uma pessoa quase que onipresente em todas as peladas do Rio de Janeiro. Correria, contra-ataque e de vez em quando enterradas. Óbvio que em algum momento eu olhei para o Sagat e pensei como seria legal jogar no time dele. Também óbvio que passei uma boa dose de vexame querendo imitar ou superar o Sagat e só consegui no máximo comentários do tipo ele não sabe, ele tá aprendendo…
Até aquele dia de pelada na Praça Guilherme da Silveira em que Sagat e eu estávamos em times opostos. Contra-ataque e Sagat indo em direção à cesta, o que significa que todos desistiram de acompanhar porque é claro que ele faria a cesta sozinho. Todos menos eu. Corremos em velocidade, pulamos os dois juntos, eu sem fazer a falta e ele sendo obrigado a mudar a direção da bandeja. Bola na tabela e rebote na minha mão. Dali a uns minutos outro contra-ataque, outra vez eu e ele sozinhos, os dois pulam e toco limpo meu. Como dizem que a terceira é a que vale, a situação se repetiu, como se os times tivessem combinado de fazer isso para ver no que ia dar. Eu me antecipei e assumi posição de marcação. Sagat parou, olhou pra mim e olhou para trás em seguida perguntando: ninguém mais vem não?, para delírio geral da galera.
É, talvez eu tenha aprendido.