O atleta profissional lida com críticas, elogios e comentários sem noção sobre as suas atuações o tempo inteiro. Esse aí não joga nada!, dizem uns. Não é possível que esse cara esteja ganhando tudo isso para errar lance livre!, dizem outros. PEIXOTO É MELHOR QUE ELE!, alguns dizem especificamente. E é claro que nós, meros mortais e peladeiros dos fins de semana, que imitamos esses profissionais nas nossas quadras, também estamos sujeitos às críticas e aos elogios que nós mesmos nos atribuímos.
Foi nessa que eu, despretensiosamente, tive certa vez a ideia de criar o “Saldo do Dia”. Talvez mais pela literatura da coisa toda, ou pelo humor, ou pelos dois. Mas acontece que lá nos idos tempos da era de ouro do Facebook, era no nosso grupo de basquete que as coisas aconteciam. Os papos, as provocações, e o devido agendamento das peladas onde sempre aparecia um perguntando que horas vai ser? ou onde? mesmo com as nossas peladas acontecendo religiosamente todo domingo na Praça do Canhão às nove da manhã. Whatsapp naquela época não existia e se alguém quisesse uma comunicação mais imediata tinha que ser na base do torpedão SMS. Inclusive se você quisesse publicar alguma coisa no Facebook você tinha que estar diante do seu computador, olha só que velharia! Mas sobre o Saldo do Dia…
Não era nem uma ideia de fato original, para a minha decepção posterior. Outras pessoas já faziam isso em outros grupos de outras peladas. Mas na minha pelada eu me encarreguei da tarefa. O Saldo do Dia era uma publicação no grupo algumas horas depois do nosso basquete ter rolado. Ali eu elegia os melhores em quadra, os piores, os lances mais bonitos, etc. Claro que as “premiações” vinham seguidas de algumas frases com doses de bom humor para não perder a piada. Acontece que aquilo que começou despretensiosamente, virou um sucesso de público e de crítica entre os meus numerosos vinte e tantos leitores. Percebi que se criava uma expectativa pelo texto que vinha às tardes de domingo, inclusive com cobrança quando ele demorava a sair. Um case de sucesso. Só que as cobranças não pararam por ali.
Ei, viu esse lance? Vai botar no Saldo do Dia, né?, eu já começava a ouvir. Percebia alguns amigos forçando algumas jogadas individuais e sorrindo para mim quando elas davam certo. Alguns leitores empolgados já começavam a questionar a parcialidade das minhas escolhas nos melhores do dia. Uma insurreição começava a se formar. Fora a clara decepção quando eu tomava a liberdade poética de eleger o sol de verão sobre as nossas cabeças, o melhor marcador em quadra. Para não mencionar o bafafá que deu quando a então namorada de um amigo entrou no grupo do basquete no Facebook para reclamar copiosamente sobre como o seu amado tinha ficado chateado por ter sido alvo das minhas piadas no Saldo daquele domingo. Questionou inclusive se eu deveria continuar sendo o autor do Saldo do Dia, em que pese eu tê-lo inventado, uma vez que o meu julgamento estava claramente comprometido. O que são palavras muito bonitas para minimizar que talvez ela quisesse dar na minha cara.
Senti que o Saldo do Dia já não poderia mais lidar com o peso da fama. Já era uma publicação subversiva tipo “O Pasquim” ou “Charlie Hebdo”. Era o momento de parar. Pelo bem dos nossos queridos peladeiros e inclusive pelo meu próprio. Nunca se sabe se eu poderia ser convidado para escrever numa publicação de sucesso, ou se só ia sair de quadra apanhando mesmo. Hoje o pessoal das antigas sente falta do Saldo do Dia. Confesso que eu também, meus amigos. Eu também…
A imagem que ilustra a Pelada de Domingo dessa semana é um sketch da artista Thais Machado. Você pode segui-la no Instagram clicando aqui