Falou em torneio você mexe com o emocional do peladeiro de fim de semana. Porque ele está jogando pelada aos fins de semana justamente porque não é de disputar torneio. Mas aí você cria um evento, valendo… bem, razoavelmente NADA, mas tem o prazer de falar que você é campeão. E ainda por cima campeão do 1º Torneio da COHAB em Realengo? Aí são outros 500.
Rola uma agitação no Whatsapp. Inscrição na base do “chega quem quer”, cada time joga com uma cor de uniforme (quem acompanha esta coluna sabe que a cor do uniforme pode ser um problema). O grande lance é que quem joga pelada junto fatalmente pode vir a ser assediado por mais de um time. Tem que ser rápido, do contrário você perde algum possível jogador para o time da igreja. Tem que chegar na frente da igreja. Perdão, Deus. Chama aquele seu parceiro que não pega numa bola faz tempo, mas é seu parceiro. Tem que estar contigo. Chama o cara que jogava com você, foi servir no Rio Grande do Sul e por um acaso está na área e mais ninguém sabe que ele está na área. Chama o menino-prodígio antes que a igreja chame. Perdão de novo, Deus. Mas é o torneio da COHAB.
A COHAB em Realengo é mais caldeirão do que La Bombonera. A proximidade com o público é demais. A grande diferença é que o público não está nem aí. O pessoal do futebol foi avisado (“pô, galera. Deixa a quadra liberada pra gente aí, por favor? Na moral?” – e esse foi o maior, e talvez único exemplo do profissionalismo envolvido na organização do Torneio), o pessoal aposentado está sentado jogando damas, buraco ou conversa fora, as crianças estão brincando e o senhorzinho cadeirante está jogando frescobol como sempre. No dia anterior, as linhas e as tabelas foram devidamente pintadas com um financiamento coletivo da galera. A mesa e a súmula (tem até súmula!) já estão dispostas. O árbitro, obviamente não escalado em nenhuma federação e na base do “beleza, eu posso apitar”, já chegou e os outros times também.
Nosso time é uma das maiores equipes que já defendeu Realengo. O grande problema é Realengo não saber disso. Chamamos o time de “Realengo Cannons”, em homenagem à Praça do Canhão, que foi onde a maior parte da galera se reuniu. Consegui que todos viessem vestidos de verde, o que por si só já é uma vitória. Pouco a pouco fomos analisando os times participantes. Nosso adversário é o time da B2. Parece que estamos enfrentando um Banana de Pijama, mas nem é. Um dos meus colegas me explicou o motivo do nome deles, mas confesso que não me lembro. Enquanto discutíamos o nosso esquema tático e a esclação, ouvimos um sonoro PORRA, VIADO! Aparentemente um dos jovens jogadores do time que só tinha jovens jogadores se empolgou na primeira partida e cismou de querer dar uma enterrada que comprometeu o aro. Por muito pouco o torneio da COHAB termina no primeiro jogo por dificuldades técnicas. Mas a organização (um cara subindo nos ombros de outro) deu um jeito e a competição seguiu. O time dos jovens jogadores perdeu e nem ficou para o final, tamanha a vergonha pelo incidente. Playoffs não tem esse tipo de emoção.
Entramos em quadra. Vencemos o time da B2 e rapidamente entramos no processo de recuperação física para a próxima partida, o que quer dizer que comprei amendoim e bananada para todo o time na vendinha da esquina. Nossa água estava garantida no cooler. Modéstia à parte, só o Realengo Cannons tinha um cooler próprio. Os outros times bebiam água da torneira do vestiário. O time da Igreja venceu o duelo deles e o time da casa, o da COHAB, misteriosamente entraria na segunda fase descansado, pois venceram por W.O. Coisas que só acontecem no Torneio da COHAB.
Mas quando dizem que quem perdoa é Deus, esqueceram de falar com ele para apurar. Porque encaramos justamente o time da igreja na semifinal e começamos tomando uma coça grande no primeiro tempo de partida. Daquelas que fazem a mão chacoalhar na hora do lance livre, ceder o rebote ofensivo e deixar o pivô armando o ataque, o que obviamente significou contra-ataque para o time da igreja. Voltamos mais motivados do intervalo, mais atentos. Roubando bolas, acelerando o ritmo da partida. Talvez Deus tivesse virado a casaca. Perdão outra vez, Deus. Mas como todos os confrontos mais épicos, o nosso heróico time perdeu a partida por pouco. “O jogo mais emocionante do torneio”, me confidenciou o juiz, já meio arrependido de ter concordado em apitar tanta partida numa única manhã.
Só que a vida é uma caixinha de surpresas e justamente o nosso ex-adversário, o time da B2, tinha ganhado a chance de voltar à competição na repescagem (Algo mais ou menos como qual é viado, tá faltando um time aqui). Enfrentaram o time da casa, que lá pelas tantas tiveram um desfalque de um dos organizadores que saiu de quadra para buscar cerveja. O mando de quadra fez toda diferença para o time da COHAB, que avançou para as finais. O que nos deixou confortáveis para a disputa do terceiro lugar, que nem existia até ali no regulamento da competição, mas conseguimos essa inovação apelando para o juiz que já estava de saco cheio de apitar e o time da COHAB que malandramente queria um descanso para a partida final. Por que choras, Adam Silver e o Play-In da NBA?
Vencemos e conquistamos o honroso terceiro lugar. Contra o time da B2 de novo. A final foi COHAB contra o time da igreja. Deu a COHAB, que venceu o torneio jogando em casa e teve jogador entrando em quadra para comemorar o título já depois do segundo litrão aberto.
Um brinde! Que Deus abençoe a COHAB em Realengo.
Dedicado ao time Realengo Cannons, que ilustra essa coluna e no torneio da COHAB disputou a sua primeira e até então única partida: Mario Medeiros, Leo Mogli, Cadu Lopes, Renan Alonso, Marcos Leite, Samuel Pereira, Wagner Calais e Raphael Rodrigues (Rato)