Em alguma manhã ensolarada de 2012: chego na quadra da Rua Toronto, em Padre Miguel. Tiro a mochila das costas, pego a bola dentro dela e dou um arremesso como quem fala cheguei. Alongo o corpo, um pouco sem concentração, um pouco desleixado, longe do meu ritual de sempre. Muita coisa na cabeça. Por isso mesmo estou ali, apesar de ser um dia de semana, talvez uma quinta-feira, não me lembro direito. Nem feriado é. No dia anterior eu tinha recebido a notícia da minha demissão do meu trabalho daquela época. Não tinha digerido nada bem, não tinha entendido. Só sabia que na manhã seguinte só poderia haver um lugar onde eu pudesse e quisesse estar. O lugar onde eu consigo esvaziar a cabeça. Por isso lá estava eu na quadra, no meu templo. Arremessando de perto e de longe. Ouvindo o barulho do tênis e da bola. Me cansei logo. Uma criança apareceu e pediu a bola para tentar uns arremessos. Fiquei sentado observando. Eu ofegava, sabia que aquele cansaço era anormal. Voltei para casa e descobri estar com 39 graus de febre.
Em alguma manhã chuvosa de 2018: atravesso a passarela da estação Guilherme da Silveira enquanto equilibro o guarda-chuva numa mão e a garrafa d’água na outra. Chove, já diriam por aí, “aos cântaros” no primeiro domingo do ano. Não me importo muito, só preciso chegar na quadra da praça. Os colegas se surpreendem ao me ver. Talvez eles não saibam o quanto eu preciso estar ali. Eles só sabem, pelas redes sociais, que eu perdi o meu pai há menos de uma semana. Alguns me cumprimentam meio sem jeito e eu não os culpo. O Léo, gente boa até não poder mais, me fala umas palavras de consolo. O Sagat me falou sobre quando ele perdeu o pai dele, ainda muito novo. Quem vive uma perda dessas no fundo, no fundo, só quer ouvir outra pessoa falar ei, eu também. Eu sei como é isso. Lembro dessa nossa conversa. Lembro de naquele dia ter pegado um rebote e feito uma bandeja, se muito. Números não me interessam. Era domingo, era sagrado, mesmo debaixo de chuva. Precisava do meu templo.
Em algum outro dia de 2018: o Kevin Love escreveu uma carta. O Kevin Love, da NBA, do Cleveland. O cara que vive do basquete e pelo basquete. Que joga nos maiores palcos do planeta. O Kevin Love escreveu uma carta dizendo que não estava tudo bem. Que ele era como eu ou você e tinha que lidar com coisas que você e eu lidamos. Depressão e ansiedade tinham chegado no Kevin Love, e a quadra de basquete já não era mais o templo dele. Depressão e ansiedade não chegaram até a mim, mas tinham chegado ao meu redor, ao redor das pessoas que me eram importantes. Me rodeavam feito abutres em volta da carniça, sabe? A ponto de me fazer querer saber exatamente o que era saúde mental. Eu li a carta do Kevin Love. Ele mal sabe o quanto eu gosto dele por isso. Quase tanto quanto critico o fato dele não jogar mais dentro do garrafão.
Porque a tal carta do Kevin Love me faz voltar à questão do templo. Algumas pessoas vão à igreja, ao culto, ao terreiro, à mesquita. Algumas pessoas vão para o meio do mato. Outras pessoas vão para a quadra de basquete. Mas tem vezes em que nem a quadra de basquete basta. Não bastou para o Kevin Love. Tem vezes em que ela não basta para mim também. Porque o templo, meus amigos, de verdade, somos nós. O nosso corpo e a nossa mente são os nossos templos. A paz tem que estar aqui dentro. A gente é quem sabe o que a gente carrega e o que tem que botar para fora. Oração, terapia, lance livre… vocês escolhem.
Cuidem-se.