O retorno da NBA está à espreita e pela primeira vez desde 2019 tudo parece voltar ao normal: o calendário, os jogos em casa, visitar os adversários e claro, as arenas cheias. Mas para a normalidade acontecer em sua plena forma, temos uma vacina no braço como algo novo. Durante os media day, a quantidade de jogadores afirmando que não querem receber a picadinha – ou enfatizando que é uma escolha pessoal – surpreendeu os torcedores.

Por isso, viemos por meio desta contar que outra liga de basquete estadunidense está com os índices de vacinação em 99%. Ela mesma, a WNBA. Seguindo as mesmas diretrizes da NBA, ninguém foi obrigada a se vacinar, porém, existiu uma conversa honesta entre as atletas e a direção para sanar todas as possíveis dúvidas – até mesmo as mais questionáveis. E assim, antes mesmo de a temporada começar em maio, o índice de adesão estava nas alturas.

Vacinação: uma hesitação

É justo pontuar que a vacinação nos Estados Unidos tem um panorama diferente: estamos falando de um país que tem a liberdade como princípio básico – sobretudo, a individual, o que acaba deturpando o significado das “liberdades”.

Além disso, a história não foi nada justa com a população negra, usada como cobaia em um estudo sobre sífilis entre 1932 e 1972 – um procedimento onde as pessoas submetidas não tiveram informação alguma sobre o que estava sendo feito e sobre os efeitos colaterais. Além disso, tiveram o tratamento devido negado e acabaram tendo sequelas irreparáveis.

No entanto, os especialistas da área das ciências sociais apontam que, apesar da memória sobre Tuskegee e Guatemala, a população negra estadunidense, na verdade, tem motivações modernas para justificar a falta de adesão: religiosidade, preocupações com questões de higiene e até descrença herdada do governo Trump – o estrago foi grande.

Somando todos esses fatores temos um movimento de pessoas que simplesmente diz “não vou me vacinar”. Devemos mencionar a visão da vacina como uma escolha individual do que fazer com seu corpo ou não – reiterada por LeBron James no media day do Lakers – algo que parece um pensamento unânime e até cultural. E não, vacina não é uma escolha pessoal, é um pacto social que visa imunização de todas as pessoas e que precisa ser acatada por todo mundo para melhores efeitos em todas as pessoas. Next.

Saúde pública: um dos pilares da WNBPA

A Women’s National Basketball Players Association (WNBPA) é quem se responsabiliza pela luta por justiça social, em que a cada ano são escolhidos pilares para nortear as campanhas de ação. Desde 2020 os escolhidos foram a defesa dos direitos LGBTQI+, justiça racial e direitos ao voto e a questão da saúde pública – juntamente com o incentivo à vacinação.

Quando a vacina para COVID foi liberada para a população geral, na primavera de 2021, as próprias jogadoras se engajaram em informar e desmistificar informações falsas sobre ela. Times e arenas abriram as portas para os postos atuarem durante as primeiras seis semanas, as atletas fizeram lives com profissionais da saúde para tirar dúvidas que a população tinha – e até Sue Bird e Megan Rapinoe se voluntariaram para ajudar nas filas dos postos.

Sabendo da hesitação, as atletas fizeram questão de afirmar e reafirmar a importância de a vacina ser tomada – sobretudo por mulheres negras, pessoas duas vezes mais suscetíveis ao falecimento por COVID. 70% das atletas da WNBA são mulheres negras e aproximadamente 25%, latina.

O sucesso

O principal dessa história toda é perceber como a WNBA obteve tanto sucesso nesse processo: a partir da associação de jogadoras. Tratando a vacinação das atletas EM MAIO como uma prioridade, a comissária geral da liga, Cathy Engelbert, perguntou para Terri Jackson – diretora executiva da WNBPA – como elas tratariam a questão com as jogadoras. E Jackson respondeu prontamente que era algo para a associação fazer em nome da ✨confiança✨ que as atletas têm na instituição.

Dessa forma, criaram um ambiente virtual seguro com profissionais da saúde para que todes abrissem suas dúvidas e anseios. Corta para junho e temos o anúncio de que a WNBA foi a primeira liga dos esportes americanos a atingir o marco de 99% das atletas vacinadas. Sem um mandato, os 100% são difíceis de afirmar, portanto os 99 acabam sendo tidos como total. A NBA está atualmente em 95%, a MLB patina com 85 e a NFL aponta para os 93%.

A WNBA não apenas dedicou tempo e prioridade à vacinação das jogadoras, como também incentivou o diálogo de atleta para atleta, sabendo a importância de um diálogo horizontal. E isso fez totalmente a diferença. Eis aí mais um problema na NBA: jogadores se isentando da conversa, afirmando que não opinam sobre o que as pessoas devem fazer com o próprio corpo, mesmo tendo se vacinado.

E não, nem todas as jogadoras da W aderiram de primeira: Alysha Clark afirmou que hesitou na hora de tomar uma decisão, pois ela queria “saber tudo que existe [de informação] antes de colocar algo para dentro do seu corpo”, e confessa que não se sentiu confortável com as informações – e desinformações – que circulavam sobre a imunização. Foi a partir das conversas pelo Zoom formuladas pela associação que Clark se sentiu segura.

Essa foi a fórmula do sucesso: dúvidas sanadas por quem entende do assunto, diálogo aberto entre a liga e as jogadoras, mas sobretudo, pessoas abertas a ouvir e tomar uma decisão pensando em todos, não só em suas escolhas individuais.