Acho lindo de ver um jogador de basquete prestando reverência a quem o ensinou a melhorar o seu jogo. Pode ser um coach de respeito como um Phil Jackson, um Coach K, um Gregg Popovich. Ou pode ser um outro ex-jogador ou veterano em atividade. Hakeem “The Dream” Olajuwon é conhecido pelo seu grande trabalho treinando pivôs. Kobe Bryant no seu pós-aposentadoria foi um grande mentor de jovens talentos que hoje brilham na NBA e na WNBA. E nas nossas peladas também temos aqueles mais calejados que ou estão dispostos a tecer um comentário construtivo sobre o que você faz em quadra, ou dar um baita esporro que você mereça ouvir.
Tem duas figuras que contribuíram muito para a minha evolução (ou algo parecido) no basquete. Curiosamente as duas são do meu Ensino Médio. A primeira delas é a Isa. A Isa chegou na escola no ano em que eu me despedia de lá e me preparava para vestibular, etc. Não bastava ser a menina nova, a Isa chegou trazendo um rumor muito curioso: dizem que ela consegue acertar uma cesta do meio da quadra. Quem viu, viu. Quem não viu, paciência. Uma menina conseguir uma proeza dessas mexia em muito o orgulho dos projetinhos de machão do Ensino Médio (2º grau para os idosos). E era tudo verdade, se vocês querem saber. A Isa conseguia mesmo acertar uma bola do meio da quadra. Não, ela não era a irmã perdida do Stephen Curry. O “arremesso” em si estava muito mais para lançamento, daqueles do futebol americano. Tinha muito menos a ver com técnica e muito mais com força no braço e a diversão no processo. Você via no rosto da Isa como ela achava divertido tentar aquilo.
Uma confissão: eu tentei. Eu juro que eu tentei. A própria Isa me desafiava a tentar. E o que eu conseguia fazer era algo de ridículo. Eu nunca tinha cogitado a possibilidade que eu pudesse também arremessar. Sabe como é, no Ensino Médio o pessoal olha pra você e sentencia você é alto, pode jogar basquete, o que é engraçado porque em contrapartida ninguém incentiva os baixinhos a tentar a carreira de jóquei. Mas para mim o basquete era rebote, bandeja, fingir que você era o Shaquille O’Neal e almejar enterradas. Sem sucesso, obviamente. Mas eu não conseguia sequer chegar perto de um arremesso de três próximo à linha. Apesar da estatura, era um saco de ossos. Numa queda de braço entre a Isa e eu, apostaria o meu dinheiro nela sem nem pensar duas vezes.
Mas eu tinha o hábito de, mesmo depois de formado, regressar à quadra em frente à escola na Praça Atenas em Padre Miguel. E foi numa dessas que olhando para o lado, lá no alto de uma das janelas dos corredores, avistei a outra pessoa que me ajudou a melhorar, mesmo que ele não saiba disso. Era o Walter, o querido professor de Física. Você não leu errado. Aprendi todos os fundamentos do jogo com o professor de Educação Física. Mas eu só entendi o basquete de verdade com o Walter, de Física. O Walter sempre estava observando a gente em quadra. Numa dessas eu perguntei a ele se ele curtia o basquete. Eu não me esqueço da resposta dele: eu gosto de ficar vendo a Física. Ele não via o basquete. Ele via Física.
Eureka, amigos. É tudo Física. E imagino que o leitor que nunca se deu bem com números tenha largado a leitura agora e foi procurar outra coisa. Para os que ainda me deram uma chance, eu digo: calma. Você goste ou não, eu repito o ensinamento do Walter: é tudo Física. A partir do momento em que você aceita que a parábola que a bola faz no ar é o resultado de duas forças que você aplica no seu arremesso (para cima e para frente), que o seu jumpshot é a energia cinética fluindo através do seu corpo, que o seu equilíbrio está diretamente ligado à base que você faz com os seus pés, que o passe picado e a cesta com a bola batendo na tabela são apenas a lei da ação e reação de Newton posta em prática… tudo fica mais nítido. Talvez você não fizesse ideia disso, mas na prática, na prática você faz tudo isso sem nem perceber.
Eu percebi tudo isso com o Walter me olhando lá de cima da janela. Lembrei do movimento que o Ray Allen fazia com o braço antes de cada cobrança de lance livre. Prestei atenção no movimento do meu braço e pensei na parábola do meu arremesso. Se eu completasse o meu movimento elevando mais o cotovelo… não, não foi cesta. Mas a bola pelo menos alcançou o aro dessa vez. Mais uma tentativa, duas, três… aaaaahhhh… então aquela era a sensação de acertar uma bola de três pontos. Olhei para o lado procurando o Walter na intenção de gritar você viu isso?!, mas o Walter tinha mais o que fazer e outras aulas para dar.
E que conste dos autos: a Isa continuou sendo a única a acertar os arremessos do meio da quadra. E o Ray Allen acertou aquela bola de três no Jogo 6 contra o Spurs. E o Walter continua apaixonado como nunca pela Física até hoje.