Finta bonita, bem feita e formosa… é uma lindeza de se ver. Já viu, leitor? Um lance que envolve frações de segundo. O jogador com a posse de bola age como quem vai numa direção e em seguida vai na direção oposta. Ou começa a fazer o movimento do arremesso, apenas o suficiente para enganar o defensor e o deixa a ver navios. Requer um tanto do famoso “Q.I. de basquete” e outro tanto de domínio total do próprio corpo. Enganar dá trabalho.

E já adianto que sou péssimo na execução desse tipo de coisa. Me falta a velocidade no raciocínio para a tomada rápida de decisão de acordo com a leitura do jogo. Penso demais antes de agir.  Por outro lado, eu me divirto fazendo justamente a defesa desse tipo de jogada. Gosto de fazer a leitura corporal do meu adversário e antecipar seus movimentos. Caso funcione uma vez, tal qual um Cavaleiro do Zodíaco eu me certifico de que o mesmo truque não volte a funcionar.

Vai ver a minha falta de habilidade com as fintas tenha a ver com o fato dela não ser um fundamento do basquete. O que significa que nas aulas de Educação Física ela não é ensinada junto com o drible, o passe e o arremesso. Tal qual um Tim Duncan do Ensino Médio, eu sempre fui fascinado pelo domínio dos fundamentos. Muito por conta do incentivo do casal de professores da minha escola. Ele até bem mais do que ela, que por sua vez tinha mais contato comigo nas aulas de natação.

O professor à época identificou logo de cara o quanto eu ficava pouco à vontade por não compartilhar o entusiasmo do resto dos garotos por futebol e me deu a maior força para o basquete. Sempre gostei do basquete, mas nunca me julguei capaz de jogar bem porque se eu era o último a ser escolhido na seleção de times de futebol, era sinal de que eu era ruim em esportes, não era? Bom, parece que não (opiniões em contrário, favor encaminhar à nossa seção de cartas. Grato).

O mesmo professor também foi o responsável por exibir o filme Coach Carter para a nossa turma. Se você não viu Coach Carter ainda, meu caro leitor, largue já essa leitura, vá assistir imediatamente e volte aqui depois. Obviamente é um grande filme, mas também obviamente me tocou de uma maneira diferente. Eu era o grande fã de basquete ali da turma. Eu era o que me sentia mais relacionado com os personagens do filme. Os jogadores e o técnico. Olhava para o Samuel L. Jackson e olhava para o professor pensando é isso!

Nosso professor também falava muito de Deus. Embora hoje eu possa considerar um tanto problemático trazer o tema religião para um ambiente escolar que, supostamente, deve ser respeitoso com todos os tipos de credo, naquela época eu só atrelava a fé do professor ao seu caráter. Ele chegou a passar outro filme sobre um técnico de futebol americano (esse foi difícil de me relacionar) que se propunha a honrar Deus em tudo que ele fizesse. Ok, pegamos o recado.

Porque acredito que, no fim das contas, é isso que o professor faz. Digo isso com a minha experiência recente em sala de aula e sendo filho de uma professora. Ele não vai fazer as escolhas por você, mas vai te orientar e deixar você confortável para assumi-las. E no basquete eu escolhi prestar atenção aos fundamentos. E pensar muito antes de tentar fazer uma finta. 

Só que existem certas diferenças e semelhanças entre o basquete e a vida. E tal qual numa finta onde uma coisa parece seguir uma direção, num instante tão breve que você mal percebe ela toma outro rumo com o qual você não contava. 

Recentemente fiquei sabendo que o nosso antigo professor de Educação Física foi responsável por uma série de abusos e violências contra a esposa, nossa também professora. Ao longo de anos. Os casos mais recentes foram graves a ponto dela sair de casa. Sabe os casos de abuso que a gente fica sabendo na NBA? Dói mais ainda quando é aqui, do teu lado e com quem você conhece.

Sinto decepcionar o leitor a esse ponto da leitura. Mas se você aí se sente decepcionado, imagine a minha decepção, que por sua vez não chega aos pés da decepção da professora e dos filhos. Ou da decepção de tantas outras mulheres vítimas de violência doméstica. 

E acrescento aqui outra decepção. Se essa história for acabar com um vilão, acreditem: o professor não é o único. Seria muito fácil e muito simples, mas não acaba aqui. Tenho para mim que todos os dias acordamos a uma escolha errada de distância de sermos os vilões das nossas próprias histórias. De fazer como numa finta, e agir de forma diferente daquilo que pregamos. Como lamentavelmente fez o professor.

Só o que nos impede, é aquilo que a gente aprende e o que escolhemos fazer com essas lições. E a escolha, é sempre nossa. 

A quem interessar possa: omiti os nomes dos envolvidos nesse episódio em respeito principalmente à professora e aos filhos. Ela está amparada pela família e tem o apoio de muitos de seus alunos. Inclusive o meu.

Para situações de violência doméstica, disque 180 para a Central de Atendimento à Mulher.

Confira nossa última Pelada de Domingo