Depois de uma pré-temporada caótica, lesões logo no início da temporada, um mês de janeiro historicamente triste, um All-Star Game épico, a paralisação da liga por conta do coronavírus, a volta da NBA na bolha, em Orlando, chegamos, enfim, aos playoffs. Quando tudo parecia que ia dar errado, acabou dando certo, ou meio certo, e os playoffs estavam definidos. Quando se fala em basquete, se fala em playoffs e, consequentemente, em jogos tensos e recordes quebrados. Eu não pretendo analisar exaustivamente cada jogo, de cada série, de cada rodada dos playoffs, mas sim relembrar os acontecimentos mais incríveis dentro e fora de quadra.
Os Lakers e os Bucks tinham se classificado em primeiro em suas respectivas conferências e ambos os times, no mesmo dia, perderam a sua partida inaugural – contra o Portland e o Orlando, respectivamente -, algo que não acontecia desde 2003. Os sinais de alerta foram ligados, principalmente ao redor do time de Los Angeles, já que vários analistas tinham sugerido que o Portland seria o oitavo colocado mais difícil de todos os tempos e Charles Barkley previu que Portland varreria o Lakers de quadra.
Mas o fato mais relevante aconteceu depois: o boicote da equipe de Milwaukee antes do jogo 5. Alguns dias antes, rumores apontavam que os jogadores de Boston e Toronto pretendiam não jogar a primeira partida das semifinais, mas no dia 26 de agosto, em apoio aos protestos antirracistas – depois que a polícia do estado de Wisconsin atirou sete vezes pelas costas de Jacob Blake -, o time dos Bucks não entrou em quadra. Enquanto a equipe do Orlando se aquecia, os Bucks permaneceram no vestiário por longas horas, combinando quais seriam suas próximas ações e se transformaram no primeiro time que recusou disputar um jogo de playoff por conta da injustiça racial. Os atletas sentiram que essa era a melhor forma de enfatizar o descontentamento com a falta de efeitos práticos dos protestos realizados na bolha, como o uso das camisas com mensagens de justiça social e a estampa “Black Lives Matter”, por exemplo.
Depois das várias horas trancados no vestiário, os jogadores do Bucks enfim saíram e leram um comunicado à imprensa, liderados por George Hill, no que clamaram por justiça para Jacob Blake, pela reforma do sistema criminal e convocaram os americanos a se registrarem para votar.
Novamente vivia-se uma incerteza com relação à continuidade dos jogos e, em meio a essa tensão, os jogadores se reuniram para discutir o futuro. Houve até uma ligação feita por Chris Paul – presidente da Associação dos Jogadores -, Carmelo Anthony, Russell Westbrook e LeBron James ao ex-presidente Barack Obama, para pedir conselhos sobre o que deveriam fazer. Nessa ligação, Obama sugeriu que os atletas continuassem na bolha, usando suas variadas plataformas para reforçar a luta por justiça. Esse movimento dos atletas da NBA foi histórico e causou enormes repercussões em todos os eventos esportivos daquela semana, com muitos outros atletas se recusando a jogar. O ativismo político e social da liga foi tão importante que, nessa segunda, dia 23 de novembro, uma comitiva de membros e jogadores da NBA se reuniu com o Papa Francisco, no Vaticano, para discutir sobre o racismo, a justiça social e ideias do movimento para o futuro. Dentre os jogadores, estava Sterling Brown, do Milwaukee Bucks, que sentiu na pele o racismo e a brutalidade policial: no início de 2018, oito policiais de Milwaukee o cercaram do lado de fora de um mercado para investigar possível infração de estacionamento. Brown foi jogado no chão e agredido com o equipamento elétrico de um dos policiais. Em decorrência de ação na justiça, ele foi indenizado em agosto em R$ 4 milhões.
Dias depois de toda essa agitação, os playoffs recomeçaram. Na primeira rodada, a melhor série, sem sombra de dúvidas, foi entre Utah Jazz e Denver Nuggets, com direito a atuações monstruosas de Donovan Mitchell e Jamal Murray, que se juntaram a Michael Jordan e Allen Iverson como os únicos jogadores a terem vários jogos de 50 pontos em uma mesma série de playoffs. Utah liderava por 3 a 1, mas sofreu uma virada histórica, graças essencialmente à Murray. Ele e Mitchell proporcionaram batalhas que ficarão recordadas para sempre: era como se um puxasse o outro a elevar o nível cada vez mais alto e o melhor de tudo é que ambos são muito jovens e, certamente, veremos mais confrontos entre os dois no futuro. Quando o jogo termina, a rivalidade também e foi com um abraço emocionado e de muito respeito que os dois protagonistas encerraram esse duelo épico, no qual pela primeira vez na história dos playoffs, dois jogadores em times opostos tiveram mais de 50 pontos no mesmo jogo.
Jamal Murray tem apenas 23 anos e já fez história nessa temporada com suas atuações magistrais e resiliência física e mental, mas não é só disso que é feito um atleta: depois do jogo 6, ele deu uma entrevista emocionado em quadra, mostrando o seu tênis com os desenhos de Breonna Taylor e como isso lhe dava força para prosseguir. É, Jamal Murray, você é incrível!
Como o nome do blog indica, eu adoro um buzzer-beater, então não poderia deixar de destacar a bola mágica de três pontos de Luka Doncic, no jogo 4 contra o Los Angeles Clippers, nos segundos finais da prorrogação, que deu a vitória ao time texano e empatou a série em 2 a 2. Esse lance recebeu elogios de vários jogadores da NBA, inclusive de LeBron James e Stephen Curry.
Já as semifinais das conferências foram alucinantes, onde cada série teve algum momento inexplicável. O jogo 2 entre o Heat e os Bucks terminou empatado, mas a arbitragem marcou uma falta polêmica de Giannis em Butler, e este último teve a oportunidade de dar a vitória à sua equipe, convertendo dois lances livres com o tempo já encerrado. Foi o primeiro jogo de playoffs, desde o jogo 1 das finais de 1979, a ser decidido por lances livres com o tempo expirado.
Outro fato a ser destacado foi mais uma virada épica de 3-1 dos Nuggets contra os Clippers, com atuação pífia de Kawhi Leonard e Paul George que, no último quarto do jogo 7, não fizeram nenhum ponto sequer. Foi a primeira vez que um time virou um déficit de 3-1 duas vezes no mesmo playoff. Denver Nuggets se tornou sinônimo de equipe “que não larga o osso”, o time da virada e se – muito provavelmente – estiver nos playoffs da próxima temporada, o adversário que se cuide!
Um jogo que todos devem assistir ou pelo menos conferir os highlights é o jogo 3 entre Boston e Toronto. Boston, àquela altura, liderava a série por 2-0 e se vencesse a partida, basicamente selava sua ida à final da conferência. Era a receita perfeita para um jogo muito intenso e tenso, que chegou aos minutos finais com um placar apertado. No último minuto, Kemba Walker fez um passe lindo para Daniel Theis, colocando a equipe celta à frente. Faltavam apenas cinco centésimos de segundos para o fim de jogo e a bola era do Toronto. Quem conhece basquete sabe que cinco centésimos de segundos são mais do que tempo suficiente para o inacreditável e isso aconteceu. Kyle Lowry fez um passe longo, por cima de Tacko Fall – jogador mais alto da liga, com 2,26 m –, para Anunoby, que acertou a cesta de três pontos, dando sobrevida à sua equipe. O sorriso de Lowry, naquele momento o homem mais feliz do mundo, abraçando seus companheiros em quadra, viralizou como sendo a representação da beleza que é esse esporte. Mais surpreendente ainda foi a reação calma de Anunoby na coletiva, afirmando que ele não ficou surpreso, pois toda vez que arremessa, espera acertar.
Chegando às finais das conferências, três são os momentos que me marcaram. No jogo 1 entre Boston e Miami, Bam Adebayo deu um toco incrível em Jayson Tatum, impedindo que ele fizesse a cesta nos segundos finais da prorrogação, o que empataria o jogo e provavelmente levaria a mais uma prorrogação.
Já no duelo do Oeste, durante o jogo 2, os Lakers estiveram quase sempre no controle do jogo, mas a partir do meio do terceiro quarto o Denver se ajustou na defesa e, nos segundos finais, estava um ponto na frente. Faltavam menos de três segundos para o fim da partida e Davis fez uma cesta impressionante de três pontos, que confirmou a vitória para a franquia de LA. Ao sair comemorando, Davis gritou “Kobe”, comprovando que o Black Mamba sempre esteve presente, dando-lhes força.
O último ponto que merece ser ressaltado foi LeBron James colocando o jogo 5 debaixo dos braços: sabendo da força de recuperação de Denver, LeBron não quis dar “sopa para o azar” e foi o responsável pelos últimos nove pontos da equipe nos últimos dois minutos. Foi um claro recado de quem era o “Rei”, dado a todos aqueles que declaravam que ele tinha ido à Los Angeles apenas para se aventurar como ator e que tinha mais chances de ganhar um Oscar do que um outro campeonato. Aos 35 anos (quase 36), ele ainda é o melhor jogador do mundo.
Por fim, chegamos às finais da NBA entre Miami e Lakers, dois times que não tinham nem alcançado os playoffs na temporada anterior. O jogo 1 começou com um troca-troca, primeiros minutos arrasadores do Miami e depois o Lakers se ajustou e teve domínio total da partida. Infelizmente, Bam Adebayo e Goran Dragic se lesionaram ao final do segundo quarto e seriam desfalques nos próximos jogos: Adebayo voltaria no jogo 4 e Dragic entraria no último jogo, mas sem conseguir ser efetivo.
O duelo entre LeBron e Jimmy Butler foi épico e será lembrado para sempre. Butler, como o guerreiro que é, entregou tudo o que tinha e mais um pouco, foi o grande líder dentro e fora de quadra, assumindo toda a responsabilidade possível, ainda mais tendo que suprir a ausência dos seus colegas. Sua entrega foi recompensada e o Heat venceu o jogo 3, graças à uma atuação fenomenal que o converteu no primeiro jogador, seja rival ou companheiro, a ter mais pontos, mais rebotes e mais assistências do que LeBron num jogo de final. E esse não é o único dado que comprova quão absurda foi a sua performance: ao final do jogo 5, vencido pelo Heat, depois de uma sequência louca de pontos de ambas as equipes e de erros inacreditáveis por parte de Danny Green e Markieff Morris, Butler tinha jogado 47 dos 48 minutos. Em coletiva após o jogo, ele estava claramente exausto e mal conseguia andar. Toda essa entrega física e emocional cobrou as suas contas e, no jogo 6, ele não tinha mais gás para acompanhar o ritmo de LeBron & cia.
O resultado foi o mais perfeito possível para essa temporada louca e triste que vivemos na NBA. Um ano que começou com a morte de uma das maiores lendas do basquete e do Lakers tinha que se encerrar, depois de tantos obstáculos, com o seu time sendo coroado o grande campeão, empatando com o maior rival em 17 títulos. Toda a comissão técnica e os jogadores do time de LA repetidamente declararam que o título era por Kobe, que ele estava olhando por todos e orgulhoso do que tinham conquistado.
E a vitória do Lakers proporcionou histórias incríveis: LeBron James foi eleito o MVP das Finais, pela quarta vez e pelo terceiro time diferente, consolidando ainda mais seu legado; Dwight Howard enfim foi campeão, em sua temporada de “redenção”; Anthony Davis se sacramentou como um dos cinco melhores jogadores da NBA e Rondo aumentou ainda mais sua lenda, sendo campeão por Boston e pelo Lakers.
Quando LeBron chegou ao Los Angeles Lakers em 2018, ele prometeu que devolveria a franquia ao posto que merecia e, depois de dois anos, podemos dizer que ele cumpriu muito bem com sua palavra. Tudo foi e será sempre por Kobe e o Los Angeles Lakers vai voltar ainda mais forte na próxima temporada para continuar honrando o legado do Black Mamba!
Essa foi a retrospectiva da temporada 2019-2020 e mal posso esperar para o início da próxima. Que venha com muitos jogos bons, jogadas incríveis, duelos épicos, mas com menos tristeza. 22 de dezembro já tá logo ali, nada melhor do que passar o Natal assistindo a nossa querida NBA!