(e porque ele talvez seja necessário)

NOTA DA REDAÇÃO: no dia anterior à publicação desta coluna (quinta, 10 de dezembro), Kyrie Irving e o Brooklyn Nets foram multados pela NBA em 25 mil dólares pelo fato do jogador se recusar a falar com a imprensa durante o Media Week, como relatado no texto.

Na sexta-feira, dia 4, o armador do Brooklyn Nets, Kyrie Irving, divulgou uma nota explicando que preferia, num primeiro momento, não conversar com os jornalistas durante a Media Week do time e queria garantir que sua mensagem “fosse passada corretamente”. As reações à nota, por parte de muitos fãs e analistas, foram bastante severas, criticando o comportamento repentinamente “evasivo” de Kyrie.

Isso obrigou sua RP, Ashley Blackwood, a se manifestar no Twitter, esclarecendo que ele tem toda a “intenção de construir uma relação mutuamente respeitosa” com a imprensa e que ele continuará conversando com os jornalistas antes e depois dos jogos, assim como depois dos treinos.

Kyrie é um dos jogadores mais polarizadores da liga, que inspira o ódio tão rapidamente – e até de maneira mais intensa – quanto o amor. Ele é tido como alguém com comportamento peculiar, controverso e com posicionamentos não tão “inteligentes” em certos assuntos. Tudo o que ele faz ou fala, ou deixa de falar e fazer, é analisado sob lentes microscópicas e ele, verdade seja dita, é mal-interpretado algumas vezes. É claro que, sendo uma pessoa famosa, acaba por estar naturalmente muito mais sujeito à exposição, mas parece que há algo mais profundo por trás da história dessa relação tóxica entre ele e a imprensa.

Tudo começou em 2015, quando Irving foi questionado a respeito da “figura paterna” que LeBron James representava para ele. O jogador pareceu não gostar nada da pergunta pois, afinal, ele é apenas sete anos mais jovem do que James. Mas foi dois anos depois, em uma participação no podcast de Richard Jefferson, antes do All-Star Game, que Kyrie deu a sua declaração mais polêmica (e inverídica): de fato, ele afirmou acreditar que a terra era plana e que duvidava que ela girasse em torno do Sol. Ele até colocou em dúvida o sistema de ensino que recebeu, alegando que muitas coisas que lhe foram ensinadas não se mostraram verdadeiras.

Em 2015, Kyrie se mostra surpreso e nada satisfeito com o questionamento quanto à figura paterna que LeBron James representava para ele.
KI e suas ideias sobre terra plana. Foto: Twitter

Um ano depois, num evento da revista Forbes, em Boston, ele pediu desculpas a todos os professores de ciência e disse que aprendeu não somente que certas coisas devem ser mantidas nas conversas íntimas, mas também que as palavras de pessoas influentes têm um enorme poder. O pedido de desculpas foi necessário, pois ele queria encerrar o assunto de uma vez por todas, mas não foi o suficiente para melhorar a sua imagem.


Matéria publicada no site NPR em 28 de julho de 2017, intitulada “A batalha em curso entre os professores de ciência e as fake news”. Ela foi um reflexo das consequências após as declarações de Kyrie Irving.

Nos anos seguintes, ele se tornou um dos alvos favoritos dos jornalistas. Tudo o que ele dizia sobre seus companheiros do Boston Celtics ou do próprio Nets era, de certa forma, “distorcido” para retratá-lo como um “câncer no vestiário” – alguém que apenas se preocupava com o próprio brilho e sucesso, em detrimento da equipe.

Acredito que, com o passar do tempo, e percebendo a má vontade da imprensa com ele, Kyrie incorporou o personagem de “vilão” que lhe foi atribuído. Assim, passou a ser mais direto, transparente e crítico, sem se importar tanto com a recepção dos seus comentários. Na verdade, ele já esperava, provavelmente, que encontrariam formas de tornar suas falas excessivamente negativas.

E com essa atitude de “franco-atirador”, ele se envolveu em mais duas polêmicas esse ano: durante as finais da NBA, em uma aparição no podcast de seu companheiro Kevin Durant, Kyrie afirmou que era muito bom estar, finalmente, num time em que seu companheiro seria tão clutch quanto ele. Essa fala foi, como se imagina, muito mal recebida e interpretada como um ataque direto a LeBron. Além disso, alguns meses antes, Irving se mostrou contrário ao reinício da temporada, já que acreditava que desviaria o foco dos protestos contra o racismo e do movimento Black Lives Matter, preocupação essa que, admitamos, tinha fundamento.  

A verdade é que há erros de ambos os lados: Kyrie, de fato, não é o jogador mais eloquente e já sugeriu ideias que não foram cuidadosamente pensadas ou que eram falsas. A imprensa, por sua vez, é dura demais e vivemos em uma era em que coisas negativas geram mais engajamento, deixando-se de lado tantas outras mais impactantes e positivas.

Ao final, como qualquer um, Kyrie errou – várias vezes -, mas já se desculpou e suas observações têm validade. E sua voz, enquanto jogador afro-estadunidense, deve sim ser ouvida e respeitada. Considerando o modo como é constantemente retratado, é compreensível sua atitude atual de se manter distante da imprensa e dos holofotes. Penso que, nesse momento, o seu silêncio talvez seja necessário e até terapêutico.

Ele voltará a criar alguma polêmica? Provavelmente, mas já passou da hora de desapegarmos de certas narrativas e de abrirmos espaço em nossas mentes à redenção e a outras histórias realmente mais importantes. Afinal, que atire a primeira pedra quem nunca errou.