O basquete universitário estadunidense tem em seus fãs aquilo que é o mais próximo de uma torcida real do futebol brasileiro. Como a do Bangu Atlético Clube, por exemplo. É ali que as verdadeiras paixões, as verdadeiras loucuras de março e dos outros onze meses se encontram. E claro, é a porta de entrada principal para os jovens atletas darem o seu primeiro passo rumo à NBA. Aqui no Brasil? Bem, aqui no Brasil o basquete universitário rende uns bons motivos para beber cerveja.
Nada contra os atletas, que fique bem claro. Eu mesmo no meu primeiro período da Faculdade Nacional de Direito, junto de outros tantos novatos, recebi o convite dos atletas veteranos para nos juntarmos ao time do esporte que fosse de nosso interesse e defender a nossa faculdade nos semi-lendários Jogos Jurídicos. Os meus olhos brilharam, confesso. Mal cabia em mim, tamanho contentamento. Fui correndo comunicar os meus pais: eu iria treinar com o time de basquete da faculdade. Muito bom, filho. Ficamos felizes por você. Onde vão ser os treinos? Na Ilha do Fundão. Quando? Aos domingos. Rimos muito e dali em diante eu nunca pus os pés naquela quadra.
Não posso dizer que foi uma frustração. Eu nem sabia muito bem o que estava fazendo à época. E entendo meus pais preocupados com o filho recém-chegado à maioridade encarando a Ilha do Fundão que não é bem o lugar mais pacífico do Rio de Janeiro (se é que existe algum) nos domingos pessimamente munidos de transporte público. Juro, eu entendo. Só que a vida é uma caixinha de surpresas.
Passados alguns anos, ou cinco, para ser mais exato, a balança do universo buscou o seu equilíbrio. Um papo descontraído e um convite: “você não quer treinar com a gente nesse domingo? Te passo o contato do fulano, capitão do time”. Era a minha grande chance. Cinco anos depois eu ainda não sabia chegar ao Fundão. Pedi socorro a uma amiga que estudava lá e poderia ir comigo. Ela topou na hora. Obviamente não tínhamos muito o que fazer, os dois. Ela me encontrou naquela manhã de domingo, no ponto de ônibus. Me resumiu “Orgulho & Preconceito” inteiro, para vocês terem uma ideia de como o ônibus demora no domingo. Um bom tempo depois, chegamos ao Fundão.
Eu não cabia em mim. Era a primeira vez na vida que eu pisava numa quadra de taco. Os demais colegas já tinham se aquecido e descansavam. Eu já saí de casa vestido, já pronto. Me alonguei e pedi uma bola emprestada. Minha amiga gentilmente se ofereceu para buscar as bolas perdidas. O problema é que não houve nenhuma. Conforme eu arremessava, todas elas caíam, como que por mágica. E arremesso nunca foi o meu ponto forte a vida inteira. Era bom demais, parecia ilusão. Um apito soou, anunciando o início de um amistoso. Fui para o banco, deixei o time da faculdade jogar. Analisei as jogadas, pedi para me explicarem como era a que eles chamavam de “Nacional” (o aluno da Nacional é orgulhoso por excelência). Tímido, esperei a minha vez. Por insistência dos demais, entrei em quadra. No meu primeiro lance, um toco limpo em cima do adversário. Transição em velocidade, uma assistência e uma bandeja minha. Para todos os efeitos, 100% de aproveitamento. Uma bela estreia e uma grande certeza: eu era feito para aquilo.
Eu era feito para continuar jogando as minhas peladas de fim de semana. Na rua, no parque, na praça. Foram esses os lugares que me moldaram. Foram esses os lugares que me ensinaram tudo o que eu sei até hoje sobre o jogo. Foram esses os lugares onde eu conheci várias pessoas, joguei contra os mais diferentes adversários e fiz muitos amigos. Se lá atrás, por algum motivo eu tivesse começado a treinar na faculdade, tudo isso poderia ter sido muito diferente. E sabe do que mais?
Eu não trocaria o que eu vivi por nada desse mundo.
Dedicada à Patrícia Severo, que gentilmente aceitou ir comigo ao Fundão num domingo de manhã, que gentilmente aceitou buscar a bola enquanto eu arremessava para me devolver e que me contou toda a história de ‘Orgulho & Preconceito”.