Tem que jogar que nem negro!
Essa frase pode ser ouvida na Rua I do Conjuntão em Padre Miguel, ou em qualquer outra quadra por onde passe o Charles. O Charles é uma figuraça. O que ele tem de bom com a bola na mão, ele tem de bom em provocar. Tênis de 500 reais, jogador de 50 centavos!, é uma das pérolas que ele volta e meia solta. Volta e meia ele também assume o papel de fiscal da negritude, como na frase que abre a coluna de hoje. Como na vez em que ele virou para o Cleber e sentenciou você mandou bem, Moreno. Tá ligado? Só não jogou como negro porque você é moreno. Quer ser negro, mas é moreno. Por isso eu vou te chamar a partir de hoje de Moreno. E até hoje o Cleber é conhecido como “Moreno” por causa disso.
Até porque não é recomendável discutir com o Charles, seus quase dois metros de altura e um muque maior do que a cabeça de muita gente. Metade disso é só marra e provocação, sabe? Mas a outra metade é um homem negro estabelecendo o “ser negro” como padrão de excelência. Parece bobagem, mas não é.
Porque há tantos e tantos anos atrás, quando o professor canadense James Naismith inventou aquele jogo com a bola e o balde de pêssego, ele muito provavelmente não sabia no que aquilo iria se tornar. Ele não sabia que muitos e muitos anos depois, o basquete estaria intimamente ligado a uma identidade cultural, a um estilo de vida, a um propósito. Duvida? Experimenta fechar os olhos, imaginar uma jogadora ou jogador de basquete e não pensar numa mulher ou homem negros.
A gente tá falando do esporte que nos deu Janeth Arcain e Rosa Branca. Bill Russell e os direitos civis. Walt “Clyde” Frazier e o seu estilo. Allen Iverson e mais estilo ainda. Kobe Bryant e a “Mamba Mentality”. E eu preciso falar de Michael Jordan? Preciso falar do homem apelidado de “Jesus Negro”? Preciso falar de alguém tão absurdamente bom no que fazia que estabeleceu o padrão esportivo em que a gente vira para outra pessoa boa no que faz e diz “esse aí é o Michael Jordan do seu esporte?”. Preciso? Preciso sim. Sempre.
Lebron James há relativamente pouco tempo estreou um programa chamado “The Shop”, cuja proposta é levar personalidades para uma barbearia e filmar suas conversas. São pessoas do esporte, da música, do cinema, da televisão, da política… e na maior parte das vezes, negros. Pessoas bem sucedidas naquilo em que elas se propuseram a fazer e, no que eu considero a melhor sacada, ninguém ali conta uma história triste. Talvez um percalço aqui e ali, é verdade, mas eles falam da parte boa, do sucesso. Pare e pense no quanto é raro e precioso você poder se enxergar nessas pessoas e pensar ok, eu quero ser igual a esses caras.
Então sim, tem que jogar como negro. E trabalhar como negro, e fazer negócios como negro, e falar como negro, e cantar como negro, e escrever como negro, e acima de tudo, se orgulhar como negro. E acreditar que esse é sim o padrão de excelência que nos torna Jordan e Janeth com a bola laranja, Obama e Marielle com o discurso, Emicida e Ivone Lara com a voz, Machado e Conceição com a caneta, e nós mesmos na vida.
Faz que nem a gente.
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